Capítulo 1

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Entrei no táxi e passei o endereço de minha antiga casa para o motorista, foi uma decisão difícil, mas eu prometi para minha mãe que voltaria lá. Parece que faz anos que não ponho os pés naquela casa... E faz. Quando meus pais se separaram, foram raras as ocasiões que deixei Nova York para visitar meu pai em sua pequena casinha numa cidade perdida do Canadá.

Fitei a janela olhando a paisagem e deixei meus pensamentos me levarem para os lugares mais tristes da minha mente. Reservei esse momento pra sentir pena de mim mesma e pensar em como a vida é injusta.

Algo caiu no vidro da frente do carro, provavelmente alguma fruta podre, e eu me assustei. O motorista aproveitou essa deixa e resolveu puxar conversa.

"Aposto que essas coisas não acontecem com freqüência na cidade grande, né!?" Disse em um tom alegre que não combinava com o clima do lugar.

"É, já estou com saudade de lá." Respondi com desânimo.

"O que veio fazer aqui?" Perguntou obviamente curioso, aparentemente não é um lugar que recebe muitos visitantes.

"Meu pai mora aqui, vou passar um tempo com ele." Infelizmente.

"Qual o nome de seu pai? Talvez eu conheça" Ah, as desvantagens de viver em uma cidade pequena.

"Ele chama Alan. Alan Adams." Eu disse meio relutante.

"O pesquisador maluco?! Agora eu entendo seu desânimo, menina." Que cara sem noção, por mais que ele realmente seja um pesquisador maluco, não queria ser lembrada disso.

Meu pai nem sempre foi um estranho para mim, talvez maluco, mas não estranho. E agora ele é exatamente isso, tá, parte da culpa é minha. Depois do divórcio eu me distanciei dele, mas meu pai nem tentou muito se reaproximar, então tudo foi ficando mais natural, sua ausência parou de doer depois de um tempo.

Quando notei, o motorista, que eu nem lembrei de perguntar o nome, já havia parado na porta da casa de meu pai e estava esperando que eu saísse.

"Aqui está o dinheiro, pode ficar com o troco." Eu disse apressada, com um aperto de ansiedade no estômago.

"Obrigado, e boa sorte com seu pai." Gritou já indo embora.

"É, vou precisar." Resmunguei enquanto arrastava minha mala até a frente da casa.

Tudo estava exatamente da forma que eu me lembrava, as árvores ao redor da casa, o cheirinho de grama aparada, até uma parte da varanda continuava quebrada. Se eu apertasse as vistas, conseguiria ver algumas montanhas ao fundo. Eu não podia negar, era um lugar lindo, e ótimo para amantes da natureza.

Bati na porta da frente mas não obtive nenhuma resposta, tentei outra vez e chamei por meu pai, como ninguém respondeu, fui até a janela para investigar se tinha alguém em casa, mas parecia que ele não estava. Ótimo, isso que eu avisei que viria, imagina se só tivesse aparecido aqui.

Cansada de esperar, forço a maçaneta e tento abrir a porta. Para minha surpresa ela está destrancada e a porta se abre. A vantagem de morar em lugares isolados: muito difícil ocorrer um assalto.

Eu entro e começo a observar o interior da casa, tudo está igual, mas também diferente. Um pouco mais bagunçado e com as pesquisas de papai espalhadas pela casa toda, uma verdadeira casa de um homem solteiro, pelo menos como eu imagino que seria.

Depois de um tempo, escuto um barulho na parte de trás da casa e meu pai entra pela porta dos fundos murmurando com si mesmo. Está tão distraído que não nota sua própria filha parada no meio de sua bagunçada sala/escritório.

"Onde eu deixei? Estava bem aqui! Quer saber, vou dar uma olhada nessa pilha." Segue murmurando até sua estante que contém toda a pesquisa de sua vida.

"Pai?" Chamo com uma voz insegura. Estava nervosa, não o via há anos e ele parece tão distraído e ocupado.

"Achei, achei. Estava bem aqui. É feito de... Aí Deus. Talvez seja feito com pele de camundongo!" Exclama animado, como se tivesse descoberto algo grandioso.

"Oi, pai." Dessa vez ele me escutou. Meu pai virou para me encarar e disse com alegria:

"Minha KitKat!" Praticamente gritou e deu uma corridinha para me abraçar. ''Você tá aqui!! Como eu senti sua falta."

"É, eu avisei que eu vinha..." Comecei a dizer sem graça mas ele me interrompeu.

"Sim, mas eu não percebi que hoje era o dia. Erro meu, erro meu." Meu pai disse e agora era ele que estava sem graça. "Como você cresceu, está igualzinha sua mãe, opa, quero dizer, como ela era antes de... Ahn, você quer conversar sobre isso? Porque eu posso escutar e..."

"Pai, obrigada, mas eu estou tentando lidar com isso sozinha." Interrompi sua fala antes que começasse a falar mais coisas de mamãe e eu caísse no choro na frente dele. "Mas eu gostaria de falar com você sobre algumas coisas importantes." Assim que termino a frase, Summer, minha cachorrinha que deixei para trás quando fui embora, entra correndo na sala e começa a correr em círculos.

"Summer! Caramba... Ela ainda está viva?!" Eu disse em tom de surpresa.

"Bem velhinha, com uma manias estranhas e um péssimo senso de direção, mas viva." Meu pai falou e se dirigiu aos vários monitores que estavam ligados perto de sua estante, como se estivesse checando alguma coisa.

"Vamos lá Katy, vou te levar até seu quarto." Ele saiu andando em direção as escadas e não restou opção a não ser, segui-ló. "Tem uma surpresa para você! Bem-vinda ao seu quarto." Quando entro, vejo que continua a mesma coisa. Em todos esses anos, ele não mexeu em nada, talvez tenha limpado algumas vezes, mas fora isso meu quarto de criança continuava igual.

"Nossa, parece que eu nunca sai daqui." Comecei a andar pelo quarto, observando alguns brinquedos e livros que esqueci aqui.

"Eu tô muito feliz em ter você comigo." Meu pai disse em um tom animado. Ele estava tão feliz que estragar esse momento seria de partir o coração. Decidi guardar a bomba para mais tarde e aproveitar esse raro momento.

"Eu também est..." Comecei a dizer, mas o celular de papai começou a disparar enlouquecidamente me cortando no meio da frase.

"Ahn, desculpe querida, os sensores na floresta estão bem descontrolados ultimamente." Se desculpou e eu fiquei curiosa para saber o que seus sensores realmente estavam monitorando. "Bom, você provavelmente quer um tempo para desembalar suas coisas. Vou terminar de resolver algumas coisas lá embaixo, grite se precisar, ou se tiver fome."

"Ok pai, pode deixar." Garanti. Logo que ele saiu do quarto, me joguei na cama e conclui que a vida realmente era complicada.

Os Reinos Escondidos - Solstício de VerãoWhere stories live. Discover now