Nauseante - Capítulo um

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O início preguiçoso da manhã é cinzento e azulado, prenuncio de um dia fracamente ensolarado em um clima nostálgico natalino.

Particularmente falando, eram dias assim aqueles que mais me chamavam atenção. Por mais que quisesse andar indiferente às cores daquele novo dia que mais parecia outono, eu não conseguia pensar que talvez pudesse me atrasar caso ficasse perambulando os olhos pelas nuvens mais amplas do céu mesclado de escuro e claro.

Olho meu relógio de relance; quero ir rápido, mas me nego a passar o caminho apressado.

Suspiro, cruzando os braços em cima da mochila enquanto olho para meus tênis. Forço minha coluna contra o encosto do banco. O vôo das cinco havia atrasado e, provavelmente, seria difícil eu ir para a escola naquele dia. Talvez porque eu vá chegar atrasado; ou porque simplesmente irei ficar desanimado quando chegar a hora.

- Com licença, menino - A senhora do meu lado ergue levemente a mão para chamar minha atenção - Tem horas? - Inquiri.

Não a olho. Mas não é por falta de educação; eu simplesmente não me sinto confortável olhando nos olhos das pessoas para lhes responder. Continuo com a atenção em meus tênis, para subir os olhos até a janela enquanto me desdobro para alcançar meu celular afundando no bolso de minha calça.

Mostro a tela do celular assim que o ligo, ainda sem nenhum contato visual. Acho que ela agradece; faz um movimento com a cabeça e sinto sua atenção ser substituída.

Arqueio as sobrancelhas e jogo o celular dentro da mochila com um rápido e impaciente movimento, encostando a testa na vidraça pequena da janela.

**
Narrador

- Thomas não vem hoje -  Eric constatou, olhando ansiosamente ao redor. Petter concorda, apoiado na parede.

- Onde ele foi mesmo? - O outro pergunta.

- Brasil. Visitar a mãe. Você sabe que ele e o pai não se dão bem.

- Que adolescente se dá bem com a família atualmente, Eric? - Franzi o cenho. Em seu bolso, há drogas e Eric sabe disso. Mas não se incomoda. Petter é seu segundo melhor amigo desde criança.

**
Thomas

Perco a noção de tempo e espaço quando a tarde passa a cair. Me sinto confuso; a cabeça tão enevoada que me volta anos atrás para uma canção calma de ninar. Tenho medo, por algum motivo. Meu sonho começa com passos rastejando em um chão liso. Parece atormentado, os passos sempre dizem muito sobre seu estado momentâneo. Aquilo me passava aflição. Flagelação mental e carnal, um cansaço de anos. Algo morto.

Eu não procuro nada ao meu redor. Apenas ouço. Os passos não se aproximam nem afastam. Me lembra uma procissão. Uma procissão de mortos cansados.

Como previ, minha visão se clareia como se acostumasse com o escuro. São pessoas. Enfileiradas, de ombros caídos, arrastando pés e tornozelos por um chão empoleirado de crostas antigas. Pessoas mortas. Desmembradas, arrastando pesadelos, sonhos materiais e expectativas de uma vida que deveria ter sido continuada há muito.

Adolescentes da minha idade. Estão vestindo roupas rasgadas de festa. Olhos profundos, profanando sobre uma cidade adormecida e estática.

••

Acordo sem ar. Lembro que estou em um avião. Sei que a senhora ao meu lado me examina, mas ainda não a olho. Pisco, passando a mão pelo cabelo rebelde que me cobre minimamente a testa, endireitando meu corpo sobre o banco.

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⏰ Last updated: Sep 08, 2022 ⏰

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