Capítulo 6: dúvidas e paixão - João Pedro

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Depois de ter você
Pra que querer saber
Que horas são?

Se é noite ou faz calor
Se estamos no verão
Se o sol virá ou não
Ou pra que é que serve
Uma canção como essa?

Depois de ter você
Poetas para quê?
Os deuses, as dúvidas
Pra que amendoeiras pelas ruas?
Pra que servem as ruas?
Depois de ter você...

JOÃO PEDRO

Na segunda-feira retomei meu trabalho no hospital e dei um pulo à minha clínica particular na Barra, em sociedade com dois médicos amigos, um neurologista como eu e o outro psiquiatra. Minha secretária reabriu minha agenda para consultas e estabeleci para mim um horário praticamente estável, de segunda à sexta. Só trabalharia nos finais de semana em caso de alguma cirurgia de emergência.

No meio da manhã, Vítor me ligou dizendo que no início daquela noite partiria para os Estados Unidos e para saber se não queria ir com meus tios fazer as despedidas no aeroporto. Concordei e segui direto da clínica para encontrá-los lá por volta das sete horas.

Tentei agir o mais naturalmente possível, mas foi difícil. Mal avistei Vítor e ele veio apertar minha mão sorrindo, fui engolfado por um sentimento horrível de culpa e vergonha. Conversamos banalidades, meus tios participaram do assunto, tomamos um café juntos enquanto esperávamos a chamada para embarque, mas o tempo todo eu estava consciente da minha traição com ele.

Muita coisa passava por minha cabeça. O fato de Vítor estar sofrendo e indo embora para tentar se recuperar, a expressão de Fernanda na manhã anterior ao sair do meu apartamento, mas principalmente Ana. Ela não saía do meu pensamento nem por um minuto. Racionalmente eu sabia que o melhor para evitar o sofrimento de todo mundo seria eu e ela nunca termos ficado juntos. Mas agora não dava mais para voltar atrás. E nem eu podia evitar o que sentia por ela. Pesando tudo, eu ainda a queria. Muito.

No domingo não procurei Fernanda. Preferi ficar sozinho, pondo minhas idéias em ordem, tentando achar um ponto de equilíbrio em meio àquele caos. Mas o tempo todo Ana esteve comigo. Revi inúmeras vezes a sensação de estar dentro dela, do seu cheiro de morango, da percepção quase cármica que tinha sido ser seu primeiro homem, em tudo. Ao mesmo tempo, senti remorso pelo modo como a iniciei. Eu tinha deixado meus instintos mais baixos e animalescos me dominarem quando a amarrei na cama e fodi daquele jeito bruto, ou quando a comi por trás no chão. Bati nela. Na sua primeira vez. Mesmo sabendo por Vítor que Ana esperava o homem da sua vida para se entregar, que era romântica e ingênua, eu fiz questão de que conhecesse quem eu era logo, sem máscaras, meu lado pervertido que às vezes até me assustava.

Talvez na hora tenha agido mais por instintos, mas agora, friamente, tinha certeza que a razão estivera presente o tempo todo, como se fosse uma proteção. Para acabar com as ilusões dela, para que nunca me acusasse de enganá-la, para provar que eu era aquele dominador do clube, não o homem da foto que de alguma maneira idealizara. No entanto, sabia que tinha pegado pesado demais com ela. Não sabia como Ana tinha conseguido continuar sem querer fugir. Era mais corajosa ou mais ingênua do que pensei. O que só aumentava a sensação de que fui um escroto. De uma só tacada eu consegui vacilar com três pessoas: Vítor, Fernanda e Ana.

Uma coisa que aprendi sobre mim mesmo na vida, foi que nasci daquele jeito. Acho que nascemos com certas características e com um caráter, que com a criação, a vida familiar, a educação e a cultura, acaba sendo lapidado e moldado, para melhor ou para pior. Além de ter herdado geneticamente aqueles genes dos meus pais, possivelmente se tornaram mais fortes em mim por tudo que vi em minha casa enquanto crescia, pelo modo em que enxerguei minha sexualidade desde muito cedo.

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