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William acordou de mau humor naquela sexta-feira. Aquele era um dos poucos dias da semana que não poderia simplesmente ficar sozinho dentro do castelo, teria de sair e cumprir os seus deveres como conde.

As missas de domingo eram fáceis de ser ignoradas, mas os dias de execuções eram completamente desagradáveis. Os gritos dos condenados à morte, a população histérica e toda a mesma ladainha de sempre do bispo. As sextas-feiras eram odiosas.

Seguiu caminho até a apinhada praça central. Os camponeses sempre compareciam em peso às execuções e não apenas por orientação do clero. Percebia o êxtase que sentiam a cada morte, estavam ali por sua livre e espontânea vontade, era quase doentio. Não entendia como poderiam gostar daquilo, ele certamente sentia-se desconfortável, mas entendia ser necessário para manter a ordem religiosa.

Naquele dia seriam duas execuções, ambas jovens mulheres acusadas de bruxaria. Já havia desenvolvido o talento de desligar-se de toda aquela bagunça. Cumpria o seu dever, estando presente, mas sem de fato prestar atenção no teatro que faziam para a população.

A primeira condenada não tentou chorar ou argumentar, soava apenas resignada, mas nem isso era capaz de impedir os gritos. As reações poderiam ser as mais diversas possíveis, mas os gritos eram unânimes. O mal estar era algo ainda que não conseguia superar. Ele era constante durante toda a execução e piorava ao sentir o cheiro de carne queimada no ar.

Era um homem acostumado aos horrores da guerra, afinal, passou anos lutando pelos ingleses e sentia falta daquele tempo. No entanto, nem a guerra lhe parecia tão desumana quando o método da Igreja contra os hereges. O direito de defesa não era dado às pobres almas condenadas.

Após a morte da primeira condenada e o descarte dos restos mortais da mulher, foi chegada a hora da última acusada daquele dia. Apenas queria que aquilo acabasse logo e ele pudesse voltar para casa.

- Amélie Rose Achard. Condenada por práticas de bruxaria, heresia e pacto com Satã. Negou-se a assumir seus pecados perante Deus. - o bispo deu início à pregação de sempre. Achou curioso o primeiro nome francês, incomum naquele lugar. - Sua pena foi definida em morte na fogueira. A senhorita gostaria de falar suas últimas palavras?

- Acabe com isso de uma vez.

Aquela frase inflada de raiva o surpreendeu, não apenas por ser incomum, mas principalmente pela voz que a falou. Doce e suave como uma soprano e familiar de uma forma perturbadora. Seu olhar foi de imediato até o tronco e sua boca abriu em surpresa.

Não havia dúvidas, era ela. A mulher que encontrara há dias atrás e desde então não deixava mais sua mente. Ela estava diferente, mais pálida e com marcas de violência nas duas faces, mas sua expressão era de tranquilidade, contrastando com a situação na qual se encontrava.

O carrasco abaixava a tocha em direção à lenha, pronto para dar início à fogueira, mas ele simplesmente não podia deixar que aquilo acontecesse. Não seria capaz de levar sua vida sabendo que a deixou morrer.

- Parem já com tudo isso!

Sua voz silenciou a todos, que o olharam em completo choque. Estava se metendo em assuntos estritamente da Igreja, mas pouco se importava. Sua fama já era de louco mesmo, seria apenas mais um item para a lista. Os belos olhos verdes de Amélie o olharam confusa. Aproveitou-se da surpresa geral para ir até ela e soltá-la daquele maldito tronco.

O corpo dela retesou quando ele se aproximou, parecia assustada.

- Não se preocupe, eu irei ajudá-la.

Deu-lhe a volta e desamarrou os pulsos finos. Só então conseguiu captar as costas desnudas dela, estavam em carne viva. Antes que pudesse comentar qualquer coisa, ela bufou irritada.

A Bruxa e O Conde (Hiatus)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora