Capítulo XXXVI

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Tudo aconteceu de maneira tão rápida, que quando Dimitri piscou os olhos, Anastásia estava no chão com a mão no ombro ensanguentado, praguejando mil palavrões. Levantou-se ligeiramente e foi até sua irmã. Rasgou a manga do seu vestido, verificando o ombro lesionado. Rasgou a barra do vestido e começou a amarrar para estancar o sangue.

— Termine o que eu comecei. — Anastásia falou com a voz entrecortada. — Esse demônio continua vivo.

Dimitri assentiu rapidamente e se aproximou do homem que estava deitado no chão com a espada cravada no abdômen. Ele estava banhado em seu próprio sangue, o que deu um certo prazer nele em ver seu inimigo daquela forma. Colocou a mão na espada para puxar, quando Ivan segurou em sua mão.

— Ainda não estou morto. — mostrou os dentes ensanguentados.

Dimitri olhou para a arma que estava próxima a Ivan.

— Mas estará em breve.

Pegou a arma no chão rapidamente, sem hesitar, disparou três tiros sobre o corpo do assassino da sua mãe. Não sentiu remorso, nem mesmo algum peso na consciência, poderia sentir futuramente, mas naquele momento sentia apenas prazer. Largou a arma na poltrona e procurou a chave da porta no uniforme roubado de Ivan. Achou a pequena chave dourada no bolso da calça.

— Maldição! — exclamou Anastásia. — Papai não fala absolutamente nada. Ele está...

— Paralisado. — gemeu Dimitri correndo até a porta. — Não entendo o que pode estar acontecendo com ele, Annie. — colocou a chave na fechadura e abriu a porta. — Vou chamar pelos guardas e ordenar a presença dos médicos para vocês dois.

Dimitri saiu totalmente atordoado do gabinete do seu pai. Pediu a Deus para que preservasse a vida dele, não aguentaria perder seu pai daquela forma, sem ouvir uma última palavra de carinho e amor dele. Seu pai havia se tornado seu tudo, sua fonte de segurança e estabilidade. Desde a morte da sua mãe, não havia outra pessoa como ele. Havia seus irmãos, os amava, faria de tudo por eles, mas seu pai, era seu pai.

Achou os guardas no final do corredor trocando de postos e correu até eles.

— Guardas!

— Sua Alteza. — todos fizeram uma reverência.

— Por que diabos não há guardas em frente ao gabinete do meu pai?

— Impossível não ter, Alteza.

— Como é impossível? — vociferou. — Ivan entrou no gabinete do meu pai, atirou em minha irmã, e o czar está paralisado. — sua voz falhou. — Vão imediatamente procurar por médicos.

Não precisou uma segunda ordem para os guardas saírem em procura dos médicos, que haviam sido convidados para o baile em honra da sua irmã. Estava tão atordoado que nem percebeu sua irmã, Natasha, andando em sua direção rindo com um guarda ao lado, que ele reconheceu ser o mesmo daquele dia em que ela trombou. Desconfiou que alguma coisa estivesse nascendo ali, o que seria péssimo para ela futuramente, pois não poderia ficar com ele.

— Natasha. — a chamou urgentemente.

Os olhos da sua irmã se arregalaram e seu rosto ficou pálido subitamente.

— Dimitri. — seu olhar foi até sua mão, que até então ele não tinha percebido que estava com sangue. — O que houve?

— Ivan...

— Não me diga... — sua voz falhou.

— Anastásia está ferida no ombro, nosso pai... — passou a mão pelo cabelo. — Eu não sei o que está acontecendo com ele. — começou a chorar. — Não entendo Nat, isso está me matando.

Os irmãos se abraçaram imediatamente. Nada poderia ser mais confortante para Dimitri naquele momento do que estar nos braços de uma pessoa que amava.

— Vamos até eles.

— Claro. — afastou-se dela. — Sr. Morozov, por favor, chame o padre.

— Sim, Alteza. — fez uma reverência para ambos e saiu apressado.

— Não acha... — Dimitri começou a falar, e Natasha colocou a mão sobre sua boca.

— É melhor ter o padre por perto, meu irmão. — pegou sua mão. — Papai pode estar morrendo. — lágrimas começaram a descer por seu rosto. — Temos somente a nós mesmos caso isso aconteça. Isso soa tão horrível. Parece que o destino nos presenteia e nos tira ao mesmo tempo.

Começaram a andar rapidamente até o gabinete, mas nem Anastásia e seu pai estavam mais lá. Algumas empregadas estavam limpando o chão, e o corpo de Ivan estava com um lençol branco por cima. O general, que estava com a farda de gala, falava rudemente com os guardas.

— Isso é inaceitável! — exclamou. — Não sabem defender a vida do próprio soberano de vocês! Deixam a filha dele ser atingida por uma bala, totalmente inaceitável. Estou com tanta raiva, seus incompetentes, que a única vontade que eu tenho é de expulsar todos da guarda imperial.

— Senhor...

— Não dei permissão para falar. — respondeu grosseiramente. — Cale-se. Deixaram-se ser enganados por Ivan, sendo que foram treinados o tempo todo para achá-lo e entregar a cabeça dele para a Rússia.

— General.

O general virou-se para Dimitri e sua expressão suavizou-se.

— Alteza, seu pai foi levado para o quarto para ser tratado, assim como sua irmã. Os médicos pediram para chamar o padre... — vacilou em sua fala e perdeu a postura. — Suspeitam de uma hemorragia no cérebro.

— Santo Deus. — Natasha agarrou-se a Dimitri chorando ainda mais.

— Oh, não tinha visto a grã-duquesa. — lamentou. — Sinto muito.

Dimitri começou a sentir seu mundo desabar. Parecia que seu pior medo tinha se realizado: seu pai estava morrendo.

Jamais voltaria a ver seu pai montar cavalo, ditar regras, assinar relatórios, tomar café, dançar em bailes, observar as coisas ao seu redor, tocar e cantar com os filhos. Tudo aquilo viraria boas lembranças do passado.

E naquele momento, o passado era doce e o presente amargo.

Incrivelmente a morte ainda não tinha ceifado sua vida. Sabia que ainda tinha alguns minutos no mundo, não duraria por muito tempo. Aquela espada enfiada em sua barriga, dois tiros em lugares próprios para ser morto imediatamente, fora o sangue que não parava de subir por sua garganta. Ainda conseguia pensar com clareza, mas não conseguia se mover; sentia-se morto.

Quando os guardas chegaram para vê-lo, não verificaram seu pulso, apenas saíram do gabinete para chamar por mais guardas, por causa da situação de Anastásia e do czar. Ivan não sabia se eles iriam morrer, mas estava rezando por isso.

Lembranças do seu passado começaram a rodar em sua cabeça. Imagens dele caçando com o pai, suas brigas constantes com a irmã que havia assassinado, o carinho da sua mãe, o rigoroso inverno russo, seu período no exército, os diversos bailes que tinha presenciado, as diversas mulheres com quem tinha se divertido, a amizade que um dia teve com Vladimir, mas deixou tudo para o lado quando conheceu Sasha e sabia que não podia tê-la. O quão havia ficado atordoado por não envolver seus braços nela, nem casar e ter filhos. Morar em uma casa afastada de toda comoção da cidade. Não se arrependia de nada, por mais que tentasse; parecia que era seu dever fazer tudo aquilo.

Iria morrer em paz.

Lentamente sentiu seu corpo perdendo a vida, seus sentidos começaram a se esvaziar, mas ainda assim teve a última visão que mais temia. Desde que ficou escondido na cabana para não ser pego pelo czar, Alexandra Bulganova veio ao seu encontro novamente.

— Ivan Tchaikovsky, eu avisei que seu fim seria terrível. — sua voz não era mais doce. — Eu disse que pagaria por tudo o que me fez, assim como a minha família. Que seu descanso no inferno seja tão prazeroso quanto a dor que está sentindo agora.

— Sasha... — conseguiu sussurrar.

— Morra, Ivan. Morra.

Ivan esbugalhou os olhos e deu seu último suspiro.

A grã-duquesa perdidaWhere stories live. Discover now