Era noite alta e, exceto pelo bartender, o bar estava vazio. Um observador incauto poderia pensar ser isso algo incomum, verdadeiramente extraordinário para um tal local àquela hora. Luzes acesas, mesas e cadeiras vazias, um ventilador de teto trabalhando preguiçosamente para ninguém naquele ambiente de paredes azulejadas e sujas.
Ele enxugava um copo, quando o homem entrou. A roupa envelhecida e o odor característico daquele vulto de porte atarracado denunciava pouco asseio. Caminhando a passos lentos até o balcão, deixou-se desabar na cadeira. Parecia exausto.
− O que vai querer, amigo?
− A sua bebida mais forte.
O bartender apenas o fitou em silêncio. Dando-lhe as costas, pegou uma garrafa de um uísque ordinário e serviu um duplo.
− Obrigado.
− O que o traz aqui?
− Minhas pernas. Mas, desconfio que não seja esta a resposta que você espera ouvir.
− De fato, não, amigo.
− O filho da puta... Por que o filho da puta teve de fazer aquilo?
− Sejam lá quais tenham sido os motivos, você não me respondeu.
− Eu havia dito a ele... Meio a meio! Mas, não. Tinha que querer dar uma de esperto, tinha que tentar me passar para trás.
− E você não levou isso numa boa.
− Claro que não. Quando dois caras resolvem dar um desfalque milionário em um banco, presumem-se que certas regras não escritas precisem ser aceitas.
Após esta resposta, o homem se surpreendeu consigo mesmo e cogitou quais razões poderiam tê-lo feito se abrir com um completo estranho àquela hora da noite. O bartender percebeu e retrucou:
− Não se preocupe. Sua história está segura comigo. Na verdade, amigo, cedo ou tarde, todos vêm aqui e fazem suas confissões.
− Ainda bem que você entende.
− Tenha certeza disso.
− Pois é, mas o idiota achou que poderia me passar para trás. Não observou as regras não escritas de que falei.
− Então, desrespeitou algo que, na minha opinião, deveria valer para tudo.
− Isso aí. Ele quis tirar vantagem. – e, depositando o copo com violência no balcão, derrubou um pouco do uísque.
O bartender pegou um pano encardido e pôs-se a secar a madeira envelhecida. Fitando-o demoradamente, perguntou:
− Por que vocês deram o desfalque?
O outro suspirou.
− Nós trabalhávamos no setor de análise de crédito do banco. Todos os dias, assistíamos, calados, a gerentes concederem empréstimos com letras miúdas e cláusulas leoninas. Muita gente perdeu tudo por causa desses contratos. Nós mesmos fizemos isso algumas vezes. Até que, um dia, resolvemos tirar vantagem também.
− Quando você começou a contar, tive a impressão de que pudesse ter havido alguma motivação altruísta nessa história.
− Até havia. No início, talvez. Mas, para falar a verdade, não. "Todo vício tende a se justificar", já disse alguém.