Capítulo 5- Cristais e memórias

45 5 1
                                    

Por: Larisa Grazielle.

Naqui olhava para a pedra partida em suas mãos. Sabia que precisaria fazer um desvio. Não queria atrasar ainda mais sua viagem, mas realmente não podia se dar ao luxo de começar a próxima missão sem uma Gor'd Inom Bottos.

Se ele tivesse conseguido desviar... Mas não adiantava ficar se lamentando. Ele entrou na lojinha rangendo a porta de madeira.

— Naqui! Há quanto tempo não te vemos por estas bandas!

— Olá, Krisan, você já está um homem. — Eles se abraçaram com carinho.

—Vou chamar meu pai. Ele vai ficar feliz em te ver.

A loja continuava igual a última vez em que ele estivera lá. Montes de vidrinhos com as mais diversas poções, cestos com cristais e ervas por todos os lados.

Mas Naqui sabia que os objetos realmente poderosas não ficavam em exposição, aquelas ervas e cristais poderiam servir para os curandeiros e algumas magias pequenas, mas ele não era um amador há muito tempo.

Aquelas coisas haviam sido seus brinquedos quando era criança e ele já havia explorado tudo que poderia ser usado delas.

Naqui não era muito ligado a pensar no passado, sua missão geralmente consumia todo o seu tempo, foco e dedicação, mas aquele lugar trazia uma sensação de nostalgia.

Ele viu um pequeno cesto de cristais redondos que chamaram sua atenção, um olho de dragão vermelho havia sido o primeiro cristal que ele havia ganhado. É claro que na época ele não entendia ainda que aquilo não era realmente o olho de um dragão, mas sim um cristal nomeado pela características de longa vida de observação dos dragões.

Aquela pedra era usada para desenvolver poderes de vidência, para ver através dos tempos. E, assim como diferentes dragões tinham diferentes habilidades, cada cor de pedra desenvolvia uma capacidade diferente.

O cristal olho de dragão vermelho permitia ver onde sangue havia sido derramado.

Pensando sobre isso agora, a decisão que aquele fosse seu primeiro cristal havia sido uma escolha singular de seu pai.

— Acredito que você não precise mais disso, não é? - Seus pensamentos foram interrompidos pela voz rouca e serena de um senhor.

— É só uma recordação, Quiron. - Ele colocou o cristal novamente no cesto e sorriu. - Como você está, velho amigo?

Corcunda e com dificuldade para andar, ele demorou para cruzar a sala até Naqui.

Eles se abraçaram da forma como somente velhos conhecidos poderiam, com intimidade que os unia e segredos que criavam um silêncio no ar.

— Velho é uma palavra que me descreve bem nos últimos tempos. — Naqui olhou para ele com tristeza.

— Porque você nunca me deixa ajudá-lo com isso?

— Ah, você nunca desiste, não é?

— Não vejo porque você é tão teimoso...

— Eu já disse, não sou como você, o preço que eu teria que pagar por essa magia... Não poderia viver comigo mesmo.

Esse discurso sempre havia irritado Naqui, ele não via sentido algum naquilo.

— Você sabe que só iremos nos encontrar mais uma única vez se mantiver essa opinião, não é? - A rispidez em sua voz abalou Quiron.

— Você não é o único que sabe usar os cristais, eu conheço meu caminho, e onde ele termina. E, sim, sei exatamente onde ele se cruza com o seu.

A loja havia escurecido, como sem nem as velas ousassem interferir naquela discussão. Mas, repentinamente, Quiron quebrou a tensão, tomado pela sabedoria de alguém com mais idade e que entende que certas discussões são inúteis.

Ele sorriu e perguntou:

— Com o que posso te ajudar, querido amigo?

— Preciso de uma pedra de conjuração de imagem. - Naqui também abandonou a discussão e ficou olhando para Quiron enquanto ele pensava no seu pedido.

— Consigo entregá-la amanhã ao anoitecer.

— Obrigada por conseguir uma tão rápido, sei como elas são difíceis de encontrar.

Quiron só acenou com a cabeça, toda a sua serenidade retomada, como se o momento de atrito entre eles nunca tivesse existido.

Naqui já estava se virando para sair quando Quiron chamou sua atenção.

— Você ainda se lembra o que eu te perguntei quando nos conhecemos, naquela visita que você fez para o meu avô?

— Quando você ainda mal sabia falar? Você me perguntou se eu também tinha sido criança um dia. — Ele respondeu confuso.

—Tantos anos depois e, às vezes, ainda me pergunto a mesma coisa.

Quiron lhe entregou um cristal olho de dragão vermelho e foi para o fundos da loja sem dizer mais nenhuma palavra.

E Naqui se deixou levar pelas suas memórias, com o cheiro das ervas e o silêncio da noite, ele retornou ao dia que ganhou seu cristal.

*

Seu pai havia chegado com uma grande caixa fechada. Muitas vezes voltava com pacotes misteriosos que levava para um cabana ao lado de casa, em que Naqui era proibido de entrar. Geralmente ele ficava dias envolvido em seus trabalhos naquela cabana, e só quando tivesse terminado suas tarefas iria ver o filho.

Mas, dessa vez, foi diferente. Ele deixou a caixa e voltou imediatamente trazendo um presente.

— Isso é um olho de dragão vermelho, Naqui, você sabe o que ele faz? Você tem estudado os livros que deixei?

— Mamãe não me deixou estudar esse. Mas aprendi a levitar com as asas de águia enquanto você esteve fora!

— Muito bom! Mas hoje nós vamos estudar esse cristal aqui. E se você conseguir usar ele direito, poderá ir para a cabana comigo, o que acha?

— Eu vou usar direito!

—Será fácil, ele quer te mostrar algumas coisas, você só precisa deixar. Sente aqui, feche os olhos e respire fundo. Deixe o cristal te dominar, do mesmo jeito que você deixa as asas te levitarem.

Naqui ficou ali por várias horas, mas não era tão fácil quanto a levitação.

Ele estava cansado e suando quando, finalmente, a primeira visão apareceu. E como ondas em um mar tempestuoso elas continuaram vindo, uma após a outra, sem dar tempo para ele respirar.

Tão subitamente quanto vieram, elas pararam, e Naqui não tinha mais nenhuma dúvida, sabia o que o estava esperando na cabana.

Quando abriu os olhos seu pai sorria, indiferente ao medo que Naqui estava sentindo, à tontura, à falta de ar e às lágrimas que estavam escorrendo de seu rosto.Ele se levantou, esperando que o filho o seguisse, e abriu a porta para a cabana em que a criança nunca tinha podido entrar.

Estava escuro lá dentro, mas Naqui já não dependia dos seus olhos. Sim, ele sabia o que estava lá dentro.


Gostou do que a Larissa Escreve? Então siga a autora no perfil dela: https://www.wattpad.com/user/LarissaGrazielle7

Naqui contra os dragões da FranquiaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora