Capítulo 10

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- Não.

Virei as costas e saí, sem chorar e de cabeça erguida. O nome disso? Orgulho. Um pouco de orgulho não mata, porém quando se tem uma alta quantidade é mortal. Te mata gradativamente, de dentro pra fora. Começa na sua alma e depois parte pro teu físico, e quando chega nesse ponto meu bem... Cabe a Deus te ajudar.

Deixando a parte dramática do meu cérebro paranóico de lado. Eu quis dizer que orgulho nem sempre é bom e nem sempre é ruim. Você só precisa ter moderação, o que eu espero ter tido porque não me imagino sem minha parceira de doidice.

Olhei o relógio e já tava na hora de começar o expediente. Apressei o passo e percebi que estava prestes a cair um mundo inteiro de chuva apenas quando uma gota pingou sob meu nariz.

Olhei ao meu redor e tinha uma padaria aberta. A chuva já está engrossando e deve ter chovido a noite também já que haviam várias poças na rua. E foi numa dessas poças que eu, pessoa muito perspicaz, enfiei o pé.

Respirei profundamente e entrei na padaria. Parei na prateleira de jornais e fingi estar interessada em comprar um deles (espero que a chuva passe logo).

- Quer uma toalha? - Perguntou um rapaz negro, com covinhas, boca carnuda, barba (curta e muito bem feita), cabelo raspado, blusa listrada (azul marinho e branco), calça verde água e um coturno marrom.

- Oi?- pisquei rapidamente tentando focar na pergunta.

- Uma toalha, você tá molhada e o seu nariz tá vermelho, isso é sinal de resfriado. E já que você vai ficar aqui por um bom tempo olhando os jornais pensei em te oferecer alguma coisa pra se secar.

Lindo. Muito lindo. Ma-ra-vi-lho-so. Mas espera, eu não disse que ficaria muito tempo aqui e ele deve estar querendo que eu vá lá pro fundo com ele pra poder pegar a toalha e outras coisas a mais.

- Obrigada. Eu estou bem.

- Tem certeza? Vou lá dentro buscar pra você. Dá uma olhada no movimento dá padaria enquanto eu vou ir lá buscar?

Assenti de leve e voltei a ler os jornais. Adriana tá achando que eu vou ligar pra ela não é? Pois aí mesmo é que ela se engana.

Continuei olhando. Eu vou é me mudar pra bem longe. Gastar o que resta das minha economias e ir pro Haiti, quero ver ela me encontrar por lá.

Parei de olhar os jornais e fui ver os pães. Eu não sou infantil, ela que agiu como uma criança birrenta. Cadê o rapaz? Tô começando a tremer de frio.

Entrou um cachorro na padaria e eu já ia mandar ele sair quando o rapaz apareceu e gritou:

- TRISHA, NÃO!

Tarde demais, ela se sacudiu jogando água pra toda canto, inclusive na minha cara.

- ECA. Me desculpe, mas como você deixa uma cadela morar dentro de uma padaria?

- Ela não mora aqui.- Estendeu a toalha- Mora ao lado, mas de qualquer forma, ela vive aqui. Permita eu ou não. O dono dela também é dono do estabelecimento.

- Joshua, me desculpe pela Trisha mais uma vez. Ela sempre foge.

O garoto, que descobri através das garota (de cabelos e olhos pretos, de estatura baixa e um nariz enorme) que apareceu na porta magicamente, se chama Joshua no fim das contas.

- Tudo bem, ela só ensopou uma cliente e um raio de 2m a volta dela.

Irônia. Uma das características necessárias para a sobrevivência humana. A vida está repleta dela.

A menina saiu levando a enorme cadela com ela. Trisha não é feia, pelo contrário, é bem peluda, e muito linda (eu presumo que seja a mistura de um Chow Chow com um labrador).

- Quem era?

- Minha irmã.

- Parece ser legal.

- Considerando que ela veio morar comigo há uma semana ela é legal.

- Duas perguntas: Como assim sua irmã mora com você há uma semana? O que ela faz com o cachorro do seu chefe?

- Você é muito curiosa. Bom, ela morava com meus tios lá em São Paulo por causa de uns problemas que ela teve quando criança. Meu chefe é nosso pai, então meio que a Trisha é da família.

- Então no fim das contas a cadela é sua?

- No fim das contas é como se fosse. Acho que a chuva passou.

- Bom, acho que vou levar esse jornal- Eu disse sem jeito-.

Ele riu e deu de ombros, registrou a compra, anotou alguma coisa no cupom fiscal e logo depois me devolveu.

- Meu celular tá aí, me liga quando quiser.

Ele piscou e eu ri, até lembrar que não peguei nenhum dinheiro em casa.

- Não tem a Dona Laura? Ali da rua 13?

- Monteiro?

- Isso mesmo, anota na conta dela. Eu sou sobrinha dela.

- Tá bom. Mas eu preciso do seu nome pra anotar na conta.

- Lua.

- Lua tipo "Lua"?

- Isso.

Ele anotou e então eu sai, dando graças à Deus por ela ter uma conta na padaria do bairro dela.

Andei infinitamente até o hotel e chegando lá Dante me encarou furioso. Só que depois de um ou dois espirros ele veio até a mim com um semblante super preocupado.

- O que você estava fazendo na chuva?

- Nem reparei que voltou a chover, só queria chegar aqui logo. Eu acho que​, minha cabeça tá doendo.

- Você... - tocou em minha testa- Luna, você tá ardendo em febre...

- O que? Não... Eu tô bem.

- Bem mal.

- Eu tô bem... Para com isso...

- Já disse que você não tá bem.

- É... Eu não tô muito bem.

- Você NÃO tá bem.

- E o que eu disse?

Ele parou por um instante e ficou confuso, depois surpreso, e logo após a preocupação voltou a estampar seu rosto. Era bom ver que eu conseguia decifrar os sentimentos de alguém, pelo menos os mais perceptíveis.

- Você vai subir e repousar, vou subir lá de vez em quando e dar uma olhada pra ver se você tá bem.

- Eu não tô bem de saúde mas tô pior ainda financeiramente, então me deixa trabalhar.

- Eu preciso de ajuda na recepção mas preciso muito mais que você fique bem, então sobe logo.

Revirei os olhos e subi, não vou recusar um dia de folga. Principalmente hoje que eu preciso de folga de tudo e de todos.

Hipocrisia Cor de RosaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora