Prólogo

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Quando se está numa floresta tão densa como aquela, à noite, era de se esperar um pouco de frio. Não aquele frio gelado, mas aquele frio que se sente pairando no ar, lhe envolvendo por todos os lados. Não era o caso. Estava quente, abafado, e sua pele escura escorria suor enquanto ele pairava, agachado, entre as folhas que o escondiam.

Fazia tempo que o caçador não sentia aquela sensação de calor úmido, mas ele tentava não se incomodar com isso. A noite silenciosa e quente transmitia uma sensação de tranquilidade, mas ele sabia que aquilo era apenas uma ilusão.

Encontrava-se agachado no meio da mata, parado, já fazia um bom tempo, mas sabia que a qualquer momento, a serenidade daria lugar à violência de um confronto selvagem. Estava tão concentrado em sua presa que praticamente não percebeu o quão forte estava apertando a lança em sua mão, encharcando-a de suor.

Essa não era, é claro, sua primeira caçada. Estava acostumado quando chegava o final do longo dia e tinha que encontrar um animal forte, corpulento, que pudesse dar sustento a toda a tribo durante a dura viagem que teriam de encarar assim que ele retornasse. Ser escolhido para esta tarefa era considerado uma grande honra.

Por um momento distraiu-se pensando em sua mulher e filha lhe esperando no acampamento nômade nas proximidades da floretsa e indagando o que os deuses estariam tramando para o próximo dia. Mas foi abruptamente trazido de volta à realidade quando ouviu algo roçar-se rapidamente pela vegetação atrás dele. Voltou-se para ver o que era, mas o vulto já havia passado.

Ainda meio agachado, movimentou-se vagarosamente para não alarmar a presa, enquanto a procurava com os olhos. Depois de três ou quatro passos, encontrou-a farejando o chão próximo ao tronco de uma árvore. O animal estava alheio à sua presença e continuou o que estava fazendo, provavelmente em busca de algum alimento.

O caçador ergueu a lança sobre sua cabeça, preparando o bote. Arregalou os olhos, certo que o momento pelo o qual tanto aguardara estava próximo. Mas nesse instante, o animal sentiu seu cheiro e virou-se em sua direção.

Sabendo que havia perdido o elemento surpresa, não hesitou em arremessar a arma que lhe acompanhara em tantas outras caçadas. A lança percorreu o ar na direção do bicho. Este, por sua vez, enfureceu-se e começou a correr na direção de seu atacante. A arma pontuda pegou-lhe de raspão nas costelas, mas isso não impediu o seu avanço. Suas patas avantajadas lhe conferiam uma velocidade incrível e uma força descomunal, de forma que em uma fração de segundo, o animal já estava saltando em direção ao caçador.

Graças a seus ágeis reflexos devido à experiência, conseguiu desviar enquanto praguejava mentalmente, amaldiçoando os deuses por esta peça que pareciam pregar-lhe. A lança estava fora de alcance, mas ele rapidamente puxou a lâmina em sua cintura. O animal já havia aterrissado e estava voltando-se para ele uma vez mais, fungando e rugindo. Sabia que estava lutando por nada menos que sua vida.

O caçador apertou firme o cabo da faca enquanto encarava os dentes que se projetavam para fora da boca da criatura e alcançavam o focinho. Subitamente, a monstruosidade ergueu-se, apoiando-se no chão com as patas traseiras e levantando as dianteiras, que revelavam afiadas garras. Ele rugiu alto, como se estivesse propositadamente demonstrando que tinha o dobro do tamanho de seu oponente. O caçador sentiu como se a criatura falasse "Olhe para mim, você não tem a menor chance", mas ele não se abalou.

Sabendo que era o momento de matar ou morrer, avançou sobre o animal, com a faca na direção de sua garganta. Os dois agarraram-se num abraço mortal e o caçador gritou enquanto sentiu as garras do monstro rasgarem-lhe o ombro. Com fúria, conseguiu finalmente cravar a lâmina na jugular da criatura.

Mas ela ainda estava viva. Com a outra pata dianteira, conseguiu desferir um golpe no rosto do caçador que fê-lo ser arremessado no ar, colidindo com o tronco de uma árvore.

O Sopro do Gjallarhorn: Uma Odisseia pelo Sistema TRAPPIST-1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora