Formigas

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Júlia empurrava lentamente o pesado carrinho de compras pelos corredores do supermercado quando percebeu que não fazia ideia do que estava fazendo.

— Cara, o que a gente vai fazer mesmo? — ela balbuciou para o homem que a acompanhava. Sua língua deslizava pelos dentes, sentindo um gosto estranho na boca. Um gosto familiar, mas estranho.

— Matar todas as formigas do mundo — ele respondeu, com toda a calma possível.

— Sério? É uma ótima ideia! Mas por que a gente vai fazer isso? — Ela hesitou por um segundo. — Aliás, quem é você mesmo?

— Se esqueceu de novo? — o homem perguntou, apesar de já saber a resposta.

Júlia o encarou com seus grandes olhos lilases e fez que sim.

— A gente se conheceu na festa do seu irmão. Estávamos bebendo cerveja e conversando sobre cinema quando uma das suas amigas lhe ofereceu um comprimido laranja. Você engoliu o comprimido e começou a dançar de um jeito bem esquisito. Depois me puxou de lado e disse que havia tido a melhor ideia da sua vida. Eu perguntei qual era e você respondeu que deveríamos matar todas as formigas do mundo. Eu disse que não era uma boa ideia, mas você me puxou para fora da festa, e caminhamos até esse supermercado. Então você pegou esse carrinho e jogou nele todos os inseticidas da prateleira. Estávamos indo para o caixa quando eu lhe disse que não sou deste planeta. Você apertou a minha bochecha, pegou essa barra de manteiga daquele refrigerador — o homem apontando para trás — e deu uma grande mordida.

Júlia olhou para uma das mãos que não empurravam o carrinho e reparou que segurava uma barra de manteiga.

— Argh! Eu odeio manteiga! —disse a mulher, fazendo uma careta engraçada e jogando a barra de gordura por cima da prateleira. — Mas e depois?

— Sete segundos depois você perguntou o que a gente ia fazer.

— E o que era mesmo?

— Matar todas as formigas do mundo.

— Isso! Ótima ideia! Quanto tempo você acha que vamos levar para matar todas elas?

— Sendo otimista?

— Sim, sempre! —respondeu Júlia, animada.

— Se elas pararem de se reproduzir exatamente agora, mais ou menos 6 milhões de anos.

— É um bocado de tempo — Júlia refletiu.

O homem não disse nada.

— Viu, qual é o seu nome mesmo?

— Você vem me chamando de Lucas a noite toda, mas eu nunca disse o meu nome.

— Não, não. Você não tem cara de Lucas. — Júlia pensou por um instante e estalou os dedos. — Dan! Dan é um nome melhor para você.

Dan fez questão de mostrar um sorriso, e Júlia sorriu de volta.

— Cara, onde estão os caixas? A gente não chega nunca!

— É porque essa já é a quinta volta que damos nesses dois corredores — explicou Dan.

— E por que estamos fazendo isso, Dan?

— Só estou te seguindo.

Júlia mostrou a língua para Dan e saiu correndo em câmera lenta, agora com todas as mãos empurrando o carrinho pesado. Já no caixa, Dan a alcançou.

— Achei! — ela disse contente, se referindo ao caixa. — Escuta, você tem dinheiro para comprar tudo isso? Eu esqueci de pegar a minha bolsa.

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