Perder a virgindade é sempre um desastre

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[PRESENTE]

Aquela hora do dia, o restaurante era mais vazio e calmo. Se ouvia a TV ligada no telejornal e o chiado do óleo quente vindo da cozinha, mas a noite os assentos eram disputados e havia um karaokê dos anos 90 divertidíssimo.

Vi quando Helô desceu do táxi com os cabelos molhados, gesticulando muito e parecendo discutir algo com Nicole, provavelmente a respeito do atraso da menor no banho e diante do espelho. Abri um sorriso de alívio, pois já começava a achar que elas não viriam mais. Acenei para elas, da nossa mesa, para que me enxergassem.

Foi estranho quando todas estávamos sentadas na mesa e olhei para o rosto de cada uma delas e percebi que éramos muito diferentes.

Giovana, a mais velha entre todas nós, era a mais racional e pé no chão. Mudava tão pouco, era completamente estável. Tão estável que desde o fim do Ensino Médio conservara a mesma pose de cientista figurona. Os óculos de nerd continuavam sempre na iminência de cair, os dreads negros ainda permaneciam em sua cabeça e a firmeza em suas palavras continuava intacta. Seu estado civil no facebook era o mesmo de três anos antes: "Em um relacionamento sério com Samuel Procópio". Estivera com alguns garotos antes do namoro, sempre com uma distância emocional que chamávamos de Anomalia Prudêncio. Então, quando resolveu que queria estar com alguém por inteiro, apontou para Samuel e disse "É este!". E foi ele. Assim, com ponto final. Sem vírgulas, reticências, complicações. Giovana era talvez a evolução humana em matéria de relacionamentos amorosos. Dava para notar sua afetação em torno do fiasco familiar que virara notícia nacional. Após sua mãe descobrir uma traição do marido e denuncia-lo para a polícia, todos os seus bens foram congelados enquanto a investigação corria. Não se sabia ao certo o que Eduardo Prudêncio fazia, só se sabia que era algo imobiliário e que ganhava rios de dinheiro. Então, de repente, o Brasil inteiro viu a notícia na TV e nos jornais: as manchetes se referiam a Eduardo Prudêncio, pai da garota mais racional e estável que já conheci, como golpista e corrupto. E isso era uma pequena rachadura, um pequeno dano à estrutura de Giovana.

Nicole era o extremo oposto. Bastava olhar para ela para sentir o cheiro de afeto e meiguice emanando de seus poros. Os cabelos cor de areia escorridos, o rosto em formato de coração e a baixa estatura sempre chamara a atenção dos adolescentes que achavam que ela era bem mais nova do que realmente é. Talvez por aparentar certa jovialidade, sempre se relacionou com garotos mais jovens e o resultado era sempre o mesmo desastre: dois meses de namoro com o João, uma semana solteira, um mês com Fábio, três dias solteira, quatro meses com o Júlio, um mês solteira. Saltando de relacionamento a relacionamento, eu e as outras garotas havíamos até nos acostumado com o fato de termos que conhecer a todo mês um babaca diferente. E mesmo com o caos da vida amorosa, Nicole nunca estava mal humorada ou deprimida. Falava de maneira calma, sorria gentilmente e a cada esquina pensava ter encontrado o grande amor de sua vida. Ela queria se casar, ter gêmeos e contar a eles a história de como se apaixonou pelo pai deles. Não podíamos julga-la, talvez até a invejássemos. Talvez por essa personalidade, engolisse todos os sapos do namorado da mãe e da própria. Da herança que o falecido Gabriel Saraiva deixara, não via um tostão furado desde que a mãe resolvera superar e arrumar um boy de 23. Apesar de eu sempre ter incentivado Nicole e as outras meninas a terem seu próprio dinheiro e correr atrás disso, achei injusto o decorrer da coisa toda, mas se a herdeira argumentava "Ela está cega de amor. Não posso atrapalhar isso. ela deve cair em si sozinha", quem eu era para me revoltar?

Em contrapartida, Alexandra jamais levaria desaforo para casa. Muito embora agora ela não tivesse mais uma casa. A notícia de seus pais terem a expulsado da cobertura no Leblon há cinco meses chocou a mim e as meninas, mas ela nunca nos revelou os motivos da coisa toda. Quando ela apareceu na porta da casa de Giovana para dividirem uma vida sem luxos, após o escândalo de lavagem de dinheiro de Eduardo Prudêncio, todas suspeitamos de uma gravidez, mas aquilo não fazia sentido já que cinco meses depois ela continua sendo a mais magra dentre nós todas, além disso conhecendo a tia Nara como conheço, sei que com a notícia de um neto (mesmo que precoce) ela gastaria rios em um chá de berço e em brinquedos. Alê nunca tinha namorado ninguém e seus casinhos não duravam mais que dois dias, mas ela sempre tinha uma história picante para nos contar. Os garotos se sentiam facilmente atraídos por seu corpo cheio de tatuagens, seus lábios grossos e os olhos misteriosos, mas fugiam após algum tempo revelando que ela era "uma pessoa muito difícil". Os que não fugiam, ela mandava embora.

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⏰ Last updated: Sep 05, 2017 ⏰

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O jeito é dançar um tango argentinoWhere stories live. Discover now