Comprando Prata

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A Sineta eletrônica anuncia novos clientes. Por dentro, a loja parecia um museu de curiosidades; com mesas e prateleiras lotadas de peças exóticas, garrafas e itens diversos em exposição. O primeiro a entrar é um jovem seguido por um homem mais velho trajado exclusivamente de preto.

O homem não parecia impressionado. Ele se posiciona próximo à porta, e lá permanece imóvel, se são fosse um ocasional chiado que acompanha a respiração ele poderia ser considerado mais uma peça em exposição.

Em contraste, o jovem parecia se esforçar para não deixar transparecer seu fascino. Nasceu e passou boa parte da vida em Belo Horizonte, mas naquele último ano descobriu que sabia pouco sobre a real natureza sua cidade natal, que para ele, era a mais pacata metrópole do mundo.

Já o homem de Preto tem a função de observar o jovem contratado; função cada vez mais difícil dada à crassa diferença entre as diretrizes que está treinado a seguir e a total falta de modos do jovem.

Em umas das mesas, um grande aquário chama a sua atenção do rapaz. Dentro dele um animal parecido com um primata fazia gracinhas. Ele o observa mais de perto, tentando identifica-lo e retribuindo as gracinhas com sorrisos e gestos. Lembrou-se de uma barra de cereais que carregava no bolso. Ele a tira e mostra ao animal, que imediatamente avança ao vidro, ficando ainda mais fofo. Quando o rapaz faz menção em tirar a tampa do aquário para dar a barra de cereal é interrompido por uma voz firme, mas num tom melodioso, quase paternal:

— Mesmo sem placas, você deveria saber que não deve alimentar os animais. Em especial este.

O rapaz se assusta, mas não deixa transparecer. O homem de preto continua imóvel, observando.

— Ele parece faminto — Diz o rapaz sem procurar a fonte da voz.

— E está. Mas este não deve ser alimentado. Nem banhado.

O rapaz coloca a barra de volta no bolso. O animal ainda estava escorado no vidro, mas parecia bem menos encantador agora.

Quando o rapaz finalmente encara a fonte da voz vê um homem magro, de aparência frágil, porém quase tão alto quanto observador. Estava de branco, terno sem gravata, suspensórios e chapéu, trazia nas mãos uma bengala de Bambu com alguma espécie de pedra, dourada e polida na ponta e um sorriso acolhedor. Era quase como se ele tivesse sido propositalmente concebido para ser o completo oposto do homem de preto.

— Por favor, não fiquem a porta, entrem e venham conhecer as maravilhas da minha pequena loja. Tenho certeza que há algo útil, algo agradável, ou se preferirem; algo terrível que eu possa fazer pelos senhores! — Diz o lojista alegremente.

O homem de preto finalmente fala, secamente:

— Prata, isso é tudo que queremos.

O sorriso de cordialidade do lojista se desfez instantaneamente.

— Eu Sinto... Tem uma palavra nesta língua... Saudades; acho que é isso. Eu tenho saudades dos velhos tempos, onde até vocês caçadores me temiam. — Sua voz deixou de ter aquele tom harmonioso de bom vendedor para algo mais gutural — E eu não irei aceitar que em minha loja meus protocolos de venda não sejam cumpridos — Deu um suspiro seguido por uma longa pausa, aparentemente para se recompor. Então continuou — Se querem prata vão a uma joalheira, aqui não irão encontrar o que procuram aqui. Saiam!

O homem de preto colocou a mão sob o casaco o que levou a uma reação do logista, seu rosto mudara drasticamente, agora assemelhava-se a carranca de um lobo prestes a avançar em sua presa.

O jovem se interpôs entre os homens. Apesar do pouco tamanho sua postura ainda serena, assusta.

— O Caco nos indicou a sua loja — disse com um sorriso amistoso — estamos procurando prata, um tipo especial. 'Prata que já foi moldada, usada, e retirada da carne de um imundo', nas palavras dele. Aparentemente o senhor tem um dos melhores exemplares deste material.

— Aquele mendigo ainda respira? Ainda protege o obelisco? — Diz o lojista retornando a sua expressão de bom vendedor.

— Sim, ele ainda vive na praça.

O homem de preto volta a sua posição de estátua viva, e deixa rapaz conduzir a conversa.

— Realmente, este tipo de prata não se encontra em joalherias... Pelo menos não nas mais comuns. A joia que procuram é algo muito fino. Muito raro — diz o lojista olhando para o fundo da loja...

— Repito, Caco diz que esta loja tem um exemplar dessa raridade.

— Porque eu teria um metal tão repugnante. Algo tão danoso a minha saúde?

— O senhor tem outras mercadorias que também são danosas a sua saúde bem ali na vitrine. Porque não teria uma bala de prata? Estou disposto a barganhar, pela própria bala, ou a informação de onde obtê-la.

O lojista faz um leve meneio com a cabeça e some nos fundos da loja por uns instantes. Ao retornar traz uma pequena caixinha de chumbo.

— Acredito que este seja o item em questão. Uma bala moldada em prata, o meu fornecedor disse que essa foi recuperada após ser usada na caça. Se Caco estava falando de prata moldada e retira da carne de um imundo, esta é a sua bala.

— Vamos levar. Fica em quanto? — diz o rapaz.

— Sete gotas de seu sangue! Diz o lojista subitamente.

— Não esta pensando em... — o homem de preto inicia um protesto que é imediatamente reprovado por uma careta do jovem que continua conversando com o lojista.

— Meu sangue é um preço que não estou disposto a pagar...

— Sinto que você é um ceifeiro, não é completo. — interrompe o lojista — e mesmo assim você é forte. Seu sangue é forte! Seria uma aquisição de peso a minha humilde loja.

— Bem; realmente não posso dispor de meu sangue, gostaria de propor outra barganha?

— Posso lhe passar esta bala, e você fica me devendo um favor.

— Não faça isso! — Exclama mais uma vez o homem de preto colocando enfase em cada palava, porem o rapaz o ignora.

— Temos um acordo? — o lojista estende a mão aguardando o final transação. Sem falar nada o rapaz aperta a mão do lojista. Suas mãos brilham e uma pequena onda de choque faz as mercadorias tilintar, enquanto o animal no aquário se esconde no meio dos trapos que formam seu ninho.

O pacto está formado. O rapaz devia um favor ao lojista, e a bala de prata agora pertencia ao rapaz.

— É sempre bom fazer negócios com a Ordem — o lojista diz amistosamente enquanto empurra a caixa de chumbo em direção ao rapaz.

— Ordem? Eu não faço parte da ordem, ele faz. Sou freelancer. — diz o rapaz - eles me contrataram mas exigiram um... observador.— A última palavra saiu muito mais sarcástica do que o jovem pretendia.

Por um instante o sorriso do lojista não parecia tão cordial. Já o impassível homem de preto sorri pela primeira vez desde que o rapaz o conhecerá a quase uma semana, e sai da loja.

O rapaz se despede do lojista vai em direção à saída. Na porta quando achava provável que o homem de preto não o escutaria, ele diz:

— Posso não ser seu homem na Ordem, mas sou um freelancer altamente qualificado. Isso pode lhe ser bem mais útil um dia. — A sineta eletrônica soa mais uma vez acusando a saída do seu cliente.

"Fui enganando por um meio humano" — pensa o lojista enquanto ri — "Estou ficando velho demais pra isso". 

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