Capítulo 4 - Ressacas Interiores

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(The Shins - Phantom Limb)

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Estava uma noite linda de ser observada. O céu limpo, sem uma nuvem sequer, escuro como uma grande colcha cheia de pequenos furinhos que cobria Oasis inteira. Uma noite que só podia ser vista em um lugar como aquele, mesmo que as várias luzes ainda acesas atrapalhassem um pouco.

Dava vontade de fica ali, sentado, olhando por horas. Pena que noites como aquelas não duram para sempre.

Era só Jess, o estacionamento mais furreca de Oasis, Amélia e o céu noturno. Ah, Gus também, mesmo que desmaiado nos bancos de trás da van.

Olhou novamente para dentro da porta aberta do carro, onde Gus dormia encolhido em meio a montes de travesseiros e lençóis. Aquela cena a fez sorrir. Ele dormia de uma maneira bonitinha, mesmo que fedendo a álcool e pimentas estragadas.

De repente, o garoto abriu os olhos e sorriu de volta, a pegando de surpresa e fazendo dar uma espécie de gritinho onde sua voz travou.

— Boa noite, Jess. — Ele disse, antes de novamente fechar os olhos e cair em um sono tão pesado que até parecia de mentirinha.

Jess esperou mais um pouco antes de finalmente dizer em voz alta:

— Boa noite, seu tonto.

Bateu a porta com tanta força que até duvidou se não tinha o acordado sem querer, mas olhou pelo vidro e se certificou que ele continuava a dormir.

Nesse ponto, Denny era igual. Ah, como Gus a fazia lembrar de seu irmão... Não eram muito parecidos em quase nada, aliás, mas as poucas coisinhas eram idênticas. A teimosia, o jeito sensível e meio ingênuo com que ambos falavam as vezes. Jess sentia tanta falta de estar em casa, de almoçar com a família, de brigar com Denny pelo controle da TV — nesta parte, os dois eram igualmente crianças —, de ficar discutindo com seu pai na garagem de casa sobre qual adesivo deveriam pôr na lataria de Amélia, de seus tios brincando de lutinha como dois adolescentes idiotas, mesmo que já atingissem os quarenta, de estar perto deles.

Não que realmente pensasse em largar a viagem e voltar logo, mas as vezes, a tristeza batia. Batia, e batia forte.

Pelo menos, ela tinha Amélia. Amélia, e agora aquele estranho mochileiro como companhia.

...

Gus não tinha o costume de dormir muito, mas naquele dia se deu ao luxo de passar um pouco das dez. Jess também não se importou muito, até pensou em ir chamá-lo, mas queria evitar sentir aquele bafo horrível de Mata-Rato e bocas imundas de certas baristas.

Era uma merda absurda acordar depois de uma noite bebendo algo tão ruim quanto aquilo, ele até se forçou a levantar animado, mas não dava. Só o risco de passar por tudo aquilo outra vez já o fazia nunca mais querer ingerir uma gota de álcool sequer.

Ainda vestia seu conjunto surrado da noite anterior, uma camiseta cinza e um jeans velho. Nem os sapatos aos menos havia tirado, deixando um grande rastro de barro no acolchoado, que ia desde a porta da Kombi até debaixo de seus pés.

Que noite louca, hãn? Noite em que quase fez uma besteira da qual se arrependeria muito depois. Quase.

Mesmo que o álcool fizesse grande efeito nas suas habilidades motoras e no seu domínio fluente do idioma, ele não possuía sua mente. Gus podia, podia sim, ter feito certas coisas com Heloise, mas ele resistiu e no máximo tiraram a camisa um do outro.

AméliaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora