o n e

722 86 110
                                    

5 de agosto de 2017, San Diego.

— Joshua, me ajuda aqui! — Ouço minha mãe e deixo de desempacotar minhas coisas para ir ter com ela, até à cozinha. — Pega na Cat, ela não pára quieta! — Pego na criança no colo e saio da divisão indo me sentar no sofá. Minha irmã de apenas 6 anos, continua demasiado irrequieta e coloco-a no chão. A mesma começa a andar até à televisão pequena, batendo nos botões.

— Catherine, não se faz isso! — Vou até ela e tiro suas mãos dos botões. A pequena, mal eu virei as costas, bateu de novo nos botões, só que fazendo ainda mais barulho. — Catherine, pára! — Sento-a à força no chão.

— Queres que a pare? — Elaine aparece do meu lado, de mãos cruzadas.

— Se conseguires. — Dou de ombros, visto que Cat voltou a brincar com os botões.

— Catherine... — Chamou-a com alguma delicadeza. — Anda cá à irmã! — Vi a pequena se encolhendo, vir ter comigo. — Catherine, aqui, já! — Gritou.

— O que há? — Minha mãe fala da cozinha.

— Nada... Estamos só brincando! — Elaine logo inventa uma desculpa. Franzi o sobrolho. Ao pé das minhas pernas, a pequena me pedia colo. Elaine pegou-a, abanou-a, fazendo a mesma chorar, e atirou-a ao chão. Rapidamente, peguei na Catherine, que abraçou-se ao meu pescoço, chorando desalmadamente.

— Podes explicar-me porque fizeste isso?! Agora ela está a chorar! — Ando de um lado para o outro, tentando acalmar a pobre criança que situava-se no meu colo, assustada.

— Coitadinha... Pelo menos ela gostará de um de nós. — Balança o cabelo, e regressa ao seu quarto. Reviro os olhos.

— Joshua? Joshua! O que fizeste?! — Anda apressada até mim e calmamente tirou a filha mais nova dos meus braços.

— Eu não fiz nada mãe! — Ela olhou-me desconfiada. — Diz-lhe Catherine!

— Jojo, na-não fez dói-dói

— Quem fez então? — Ouvi a porta bater e as botas de camurça de meu pai, logo se fizeram ouvir. Virei-me devagarinho, depois de ver para onde Catherine havia apontado. Meu pai tirou o cinto das suas calças, sujas de óleo e graxa e abriu e fechou a porta do quarto de Elaine. Depois disso só se ouvia as pancadas do cinto e o choro alto da minha irmã mais velha.

Entretanto, quem chorava no colo da minha mãe, havia parado aquando da presença do homem que não tem paciência para nós, e a coitada da minha mãe, já tremia por todos os cantos, pois sabia que a seguir o tratamento era feito nela.

Tal como eu temia, quando meu pai saiu, a criança voltou para os meus braços e fugazmente, os meus progenitores se enfiaram na cozinha, de onde vários pedidos de socorro eram ouvidos e várias pancadas também.

— Cala-te sua puta, senão levas mais! — Fechei-me no quarto, depois de ouvir tamanhas besteiras. Tapei os ouvidos da Cat, pois ela não merecia ter nascido neste covil dos infernos, onde o nosso pai bate na nossa mãe, quando lhe apetece e mesmo quando não lhe apetece.

Quando finalmente tudo ficou em silêncio, já dormia uma pessoa agarrada ao meu peito. Deitei-a na cama, ouvindo a maçaneta da porta rodar. Agarrada à fachada da porta, Elaine estava chorando, com sangue por todo o seu corpo, com os olhos negros e a boca arrebentada. Antes que a mesma desse mais algum passo, segurei nos seus braços e puxei-a para o meu colo, colocando-a na cama também. Fechei a porta.

— Tudo por causa desta pirralha! — Grunhe. Balanço a cabeça.

— Elaine, não deverias ter feito aquilo, sabes bem que Cat não sabe mentir e ia falar que tinhas sido tu. E sabes perfeitamente como o nosso pai é.

— Se chamas àquilo pai...cá eu não chamo! — Leva a mão à boca, grunhindo pouco depois. — Estou... Quebrada.

Deita-te, eu cuidarei de ti. — Lá fora, o tratamento continuava, só que agora no quarto ao lado. Retirei os primeiros socorros debaixo da cama e comecei a tratar das feridas de Elaine.

— Por favor, Marcus, não por favor! Socorro! — Pobre alma. Gritava a plenos pulmões, tentando que alguém a pudesse ajudar, mas que poderia eu fazer, sendo um pirralho? Cada grito que ela dava, me rasgava por dentro.

— Sinto-me impotente. — A cabeça da rapariga deitada, estava virada, agora para mim. — Quero ajudar a mãe, mas não sei como.

— Eu sei como. — Senta-se na cama.

— Sabes? Conta-me! — O entusiasmo na minha voz era evidente mas quando ela proferiu a sua opinião, faltou-me a voz para retorquir. Mata o teu pai. Enterra-o no quintal do armazém dele. Deixa-o ir para o inferno, que é onde ele pertence. Sentia-me tonto. Matar meu próprio pai?! Não! Eu não sou capaz!

— Então?! — Engulo em seco e nego. — Sabia que eras um incapaz! Não sei como queres ajudar a mãe então! Ela só irá se livrar de todo este sofrimento quando ele morrer! Será que não percebes?! Sabes o que o pai faz? Sabes?! Ele bate-lhe com o cinto, ele rasga as roupas dela, viola-a, e ainda cospe-lhe em cima! — Tapo os ouvidos e ela faz-me ouvir o resto. — Às vezes, ele queima-a com cigarros na sua intimidade! Corta-lhe o cabelo! Achas que ela merece isto, Joshua?! Achas?! — Grita, balançando-me. Começo a chorar e a negar com a cabeça. — Chorar não adianta. Isso ela já domina na perfeição! — Deita-se de novo.

Sento-me na cadeira de balanço. Eu pensava que a nossa vida seria diferente ao nos mudarmos para esta casa, porém tudo continua na mesma. O meu pai continua a maltratar a mulher que me deu à luz, continua a não querer saber de nós, continua o mesmo homem horrível que sempre foi. Vejo as duas, deitadas perto uma da outra, mas tão diferentes. Elaine mudou. Ela não era assim. Nós brincávamos às apanhadas juntos, com as bonecas dela, e ela era feliz, sorridente. Parece que toda essa luz que ela um dia foi, já não é mais a mesma. Parece que ela fechou-se num mundo só dela, onde reina o mal, a vingança, a solidão e a escuridão.

Se eu pudesse ajudar a minha família... Mas eu sou um fracassado. Morro de medo de tudo e de nada. Não sei fazer nada de jeito. Até maricas meu pai já me chamou. Não entendo. Juro que não entendo. Gosto de raparigas. Sinto isso quando passo por uma. Contudo, ele acha que não. Como poderá um maricas cuidar da sua família?! Eu não poderei cuidar da minha. Não sou capaz.

— Um dia, Joshua, essa tua inocência vai te ser tirada, à força, sem dó nem piedade, e aí, nesse mesmo dia, tu vais compreender na pessoa que eu me tornei. Nesse dia, irás me dar razão e nesse dia tu matarás o teu pai. — O meu maxilar endureceu e eu fiquei tenso. O que a fez mudar desse jeito?

————
Se gostas de Mistério/Suspense, indico-te NEVERMORE presente no meu perfil. Obrigada 🖤

 Obrigada 🖤

Ops! Esta imagem não segue as nossas directrizes de conteúdo. Para continuares a publicar, por favor, remova-a ou carrega uma imagem diferente.
JOSHUAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora