Cinco: Humilhação

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"Entrego os papéis e saio daqui. Não será preciso encarar as duas outra vez" eu repetia mentalmente.

Meia hora depois, eu já havia amamentado e feito Mabel dormir. Enquanto a bebê seguia tranquila, eu não conseguia abandonar a aflição e o medo. Meu coração acelerou no mesmo instante em que eu vi a maçaneta da porta se movimentando. Logo em seguida as convidadas saíram da sala e seguindo pelo corredor me ignorando completamente.

Tatiana me chamou na sala intantes depois e eu não precisei nem de meio minuto contemplando sua face para saber que havia algo errado. Ela me pediu para sentar, talvez tentando me preparar para notícias ruins.

— Sarah, houve um equívoco da minha parte e eu não poderei te contratar, por enquanto — informou com um sorriso amistoso sem levar em consideração como aquela informação mudava, e muito, os meus planos.

Sentindo um nó se formando em minha garganta, questionei: — Por que? O que fiz de errado? 

Ela deu de ombros e manteve sua simpatia forçada. — Oh, você não fez nada, mas infelizmente, eu não posso passar por cima da autoridade dos meus superiores. 

Minha mente inutilmente tentava trabalhar para entender tudo aquilo, mas eu não conseguia. — Você não pode abrir uma exceção e...

— Não, não posso — interrompeu-me. — Há pré-requisitos específicos para incluir algum funcionário a equipe Bonfim, e você  não se encaixa em nenhum deles.

Olhei para baixo, contemplei a bebê dormindo e mil coisas ruins passaram por minha cabeça. — Posso arrumar outro emprego, mas isso não anula o fato de que você tinha dado sua palavra, Tatiana.

Ela me lançou um olhar frio e perguntou: — Precisa de mais alguma coisa? Eu tenho coisas mais úteis para fazer do que me preocupar com uma pobre coitada. —  Aquele distrato me fez lembrar de Raquel e então tudo ficou mais claro.

"Há! Quem mais teria poder para me prejudicar senão ela?" Concluí indignada.

Minha aflição transformou-se em raiva. Eu não quis responder aquela afronta de maneira apropriada, antes neguei a pergunta dela balançando a cabeça, levantei-me e pedindo licença saí andando rápido com um único objetivo: alcançar e confrontar minha ex-sogra.

Era do feitio de Raquel influenciar e manipular pessoas maleáveis como Tatiana e não seria surpresa ter meu nome sujo pelas ruas de Santa Fé devido aos relatos dela.

Andei tão rápido quanto era possível para uma mãe segurando uma criança de seis meses no colo e voltei para o centro comercial da loja. Para minha sorte as duas ainda não tinham ido embora e selecionavam roupas em uma sessão feminina como se não tivessem acabado de fazer uma coisa terrível.

Eu não fui prudente, nem medi minhas ações quando resolvi parar diante das duas e declarar: — Vocês não vão arruinar minha vida outra vez!

Suellen parou suas atividades no mesmo instante e ficou em choque me observando, enquanto sua mãe continuou mexendo nas araras ignorando completamente minha aflição.  

Sem aguentar mais, eu explodi e despejei toda minha raiva sobre elas: — Estou cansada da maldade de vocês e do modo como me vêem apenas como um fantoche nas suas mãos sujas! Chega! Me deixem em paz de uma vez por todas!

Suellen olhou para mim com misericórdia  e pediu: — Sarah, não faça isso, por favor...

Eram anos de mágoa acumulada, por isso, em prantos, eu gritei: — Não! Eu estou farta, Suellen! Onde está o amor, a compaixão ou a piedade de vocês? É mesmo necessário comprar tudo e todos ao seu redor?

— Sarah...

Raquel soltou uma rajada de ar pelo nariz e finalmente resolveu me dar sua atenção. — Deixe, filha. — A mulher deu alguns passos em minha direção e parando diante de mim, questionou: — Está precisando de mais dinheiro, por isso voltou, não é?

Minhas bochechas se esquentaram e o coração começou a bater freneticamente. — Não preciso ou quero nada de vocês, apenas me deixem viver minha vida e cuidar da minha filha.

— Sabe Sarah, eu não nego que compro sim tudo ao meu alcance, se isso significar o bem estar da minha família. — Ela franziu o cenho e continuou: — Mas, há um detalhe: eu só compro aquilo que está a venda. Como o seu caso. — Mediu-me de cima a baixo. — Podia ter negado minha oferta, meu dinheiro, mas como a típica aproveitadora, pegou o que lhe cabia e fugiu.

— Eu não...

Raquel ergueu o dedo indicador, me mandando calar a boca e prosseguiu: — Não quero saber. Você não deveria ter voltado. Aliás, sua melhor opção era ter colocado um fim nessa história quando teve a chance. Agora, por mim, sua estada aqui em Santa Fé será curta se depender de um emprego. —  Sorriu para si mesma e declarou: — Essas são a vantagens de ter uma família influente. — Ela me olhou com contentamento, tendo prazer em toda a desgraça e ainda enfatizou: — Está sem palavras? Não cruze o meu caminho novamente ou até o seu bem mais precioso te será tomado.

O desespero bateu só de pensar em Raquel tomando Maria de mim. Eu não pensei duas vezes antes de seguir as palavras repetidas por minha mente aflita: "fuja" ela assim dizia.

As lágrimas caíam a contragosto dos meus olhos enquanto eu seguia para a entrada da loja.

Eu me senti desolada, sem rumo e apenas desejava um lugar onde eu pudesse me esconder e proteger minha filha. Por isso, comecei a andar pelas ruas sem saber ao certo para onde iria.

Andei por quase quarenta minutos até sentir os membros fadigarem. Meus braços latejavam de carregar a bebê e as pernas imploravam por um pouquinho de descanso. Eu, indo contra os avisos do meu corpo, continuei minha jornada até chegar a principal avenida localizada no centro de Santa Fé.

Há alguns metros de onde eu estava avistei uma igreja e ao, finalmente lembrar-me do Senhor, um misto de sentimentos tomou conta de mim. Dentre eles, a raiva e a frustração.

Sem medir minha loucura, eu lamentei: — Você me abandonou! Se esqueceu de mim e nem deve estar me ouvindo agora! — Esperei algum sinal, qualquer resposta, mas nada além das buzinas de carro se fizeram ouvir.

Irritada, eu ameacei abrir a boca para mostrar minha indignação contra o Senhor novamente, mas antes disso, uma chuva repentina e torrencial me pegou desprevenida e me obrigou a rapidamente procurar por abrigo.

Precisei pensar numa solução rápida e a única encontrada por mim naquele instante foi a de entrar na igreja, o local aberto mais próximo de mim.

Subi as escadas principais do grande templo e fiz o possível para proteger minha filha da chuva. Abri a porta com cuidado para não chamar atenção ou atrapalhar os membros realizando um culto. Sentei-me, derrotada, nos últimos bancos sem me importar com ninguém além da criança molhada com risco de ficar doente em meu colo. Mabel voltou a chorar e eu a acompanhei deixando as lágrimas caírem compulsivamente enquanto trabalhava, usando os recursos disponíveis para seca-la. 

Foi então que pela segunda vez, uma voz gentil soou como bálsamo para as feridas da minha alma: — Sarah, querida?

Ensina-me amarWhere stories live. Discover now