Dois: Socorro

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Vi Socorro ficando triste pela minha negação e me senti péssima. Mesmo assim, agradeci o cuidado dela e sugeri que fôssemos juntas ao local de entrega das passagens.

Durante o curto caminho fui até o guichê conversando com Socorro. Ela aproveitou o meu silêncio predominante para me contar tudo sobre sua vida. Apesar da minha falta de jeito para dar opiniões, eu não reclamei e aproveitei a companhia agradável da senhora.

— Amanda não gosta quando eu viajo tarde assim, mas a Thaís, minha outra filha, passou o dia com o Gabrielzinho no médico e o meu genro Bruno só estava disponível aquele horário. Eu não queria incomodar. Eles já fazem tanto por mim, permitindo que eu more com eles — falou tão rápido que eu quase não entendi.

— E por que está indo visitar Amanda? — perguntei, agradecendo a Deus, por poder me distrair com algo além dos meus problemas. 

Animada, dona Socorro falou com euforia: — Ela está grávida do meu primeiro netinho e eu quero estar lá para abraça-la.

— Filhos são uma benção — beijei com ternura a cabeça de Mabel e fiz uma careta quando senti um cheiro nada agradável. — Mesmo quando enchem a fralda.

Nós duas rimos e aproveitamos o tempo antes da partida do ônibus para ir ao banheiro cuidar da higiene de Mabel.

O processo de deixar minha filha limpinha outra vez demorou mais tempo do que o previsto e tanto eu quanto Socorro chegamos ao terminal quando as portas do ônibus já estavam prestes a se fechar. Foi preciso uma boa conversa da parte da minha companheira para convencer o motorista a nos deixar a entrar, e graças a Deus, conseguimos até mesmo o privilégio de sentarmos juntas devido a uma pequena confusão entre os passageiros na hora de escolherem seus lugares.

— Agora posso cuidar das suas feridas? — ela questionou e, sem opções, eu assenti.  

O ônibus já percorria a estrada e dona Socorro ainda não havia acabado seu trabalho. Era um pouco ardido quando o álcool contido na bola de algodão entravam em atrito com minha pele sensível, mas eu murmurava baixinho para não chamar atenção da criança distraída com seus brinquedos em meu colo.

— Foi o pai da doce Mabel quem te machucou, Sarah? — a senhora perguntou quase em tom de sussurro enquanto jogava os materiais utilizados na limpeza do machucado num saquinho reservado para o lixo.

Sim, eu fui machucada muito mais profundamente por Victor do que por qualquer outro homem, mesmo o senhorio, e trazer essa verdade a memória me deixou bem desconfortável.

— Não, foi um outro idiota.

Vendo a expressão confusa de dona Socorro, resolvi descrever com um pouco mais detalhes o pavor de quase perecer com minha filha nas mãos sujas e gananciosas de Ricardo.

— Oh, querida. Deus tenha misericórdia desse homem perverso — ela falou e mesmo com a pouca iluminação pude perceber algumas lágrimas da mulher. — Para onde vão agora? Vocês tem algum lugar para ficar?

— Eu tenho uma amiga, ela pode nos dar abrigo, tenho certeza — falei com convicção, mas ao ver a reação dela unindo os lábios, fiquei um pouco insegura.

— E quanto aos seus pais? Eles, certamente, devem estar ansiosos para ver a netinha linda — perguntou e acariciou a cabeça de Mabel.

Aquele era mais um assunto desconfortável do qual eu não gostaria nem de comentar. Porém, vendo como a dona Socorro estava interessada em me ajudar, revelei resumidamente:

— Minha mãe morreu quando eu tinha cinco anos e a minha relação com papai não é nada boa. Ou seja, sempre foi eu e a Maria sozinhas lutando contra o mundo, com a ajuda de Deus.

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