Let her go

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Érico tentou pegar sinal uma última vez, antes de grunhir, com raiva da situação e de si mesmo.

Ele chutou a roda dianteira de seu golfe preto, e Vanessa nem ao menos se assustou no banco em que ocupava. Estava no lugar do carona, levemente deitada e se sacudia presa pelo cinto de segurança, com seus fones no último volume, dando uma espécie de show grátis para quem quisesse ouvir. Ainda bem que aquele veículo tinha um ótimo isolamento acústico.

Ele acenou para os diversos carros que passavam na rodovia, sendo ignorado em todas suas falhas tentativas. Aquilo estava mesmo acontecendo? O movimento naquela parte da estrada já era pequeno, e os poucos que por ali passavam ainda recusavam ajudá-lo. O celular estava sem sinal e jamais conseguiria chamar alguma ajuda, enquanto sua irmã adolescente nem ao menos se dera ao trabalho de descer do carro e perguntar se poderia ajudar em alguma coisa.

Uma longa estrada que caminhava ao lado do mar. Era o que Érico via por centenas de quilômetros a sua frente. Quando acabou vindo por essa parte da rodovia, achou estar fazendo um bom negócio, quer dizer, era realmente 100 quilômetros mais perto do que a rodovia principal, certo? Além do quê, seria difícil se perder se estivesse sempre com a presença do oceano ao seu lado direito.

Érico não sabia se havia sido sua expressão desesperada ou o tempo que a fizera esperar, mas Vanessa arrancou o fone dos ouvidos e abriu a porta, sentindo pela primeira vez naquela viagem a brisa sobre o rosto.

– Vamos chegar atrasados para a festa, Érico. – Ela disse o óbvio.

– O carro está no prego, Vanessa. – O mais velho respondeu, trincando os dentes.

A irmã de Érico passou a rodear o golfe preto, prestando atenção nos mínimos detalhes. Ela abaixou-se um pouco para observar se havia algo debaixo do carro e depois voltou a encarar o irmão.

– É fácil. Basta você consertar, vamos logo, não quero perder o parabéns. Tia Francine deve ter feito aquele bolo de cenoura com chocolate. – Vanessa sugeriu, como se aquilo fosse a solução mais simples que poderia haver.

– Falar é fácil, não acha pirralha? Tenho cara de mecânico? Eu estou na cidade grande cursando veterinária, não em uma oficina. – Érico rebateu, já irritado com a atitude abusada e displicente de sua irmã caçula.

– Seja como for, você é o adulto aqui. É bom que você venha com uma solução ou o papai vai te matar. – Ela sorriu, com se a ideia de ver Érico se dando mal a causasse uma repentina alegria.

Ele sabia que aquela havia sido uma má ideia. Quer dizer, poderia ter ficado em seu apartamento em Fortaleza, curtindo o fim de semana na beira-mar, ao lado de Kylvia, sua namorada que teve de deixar sozinha e vir nessa aventura de loucos.

Érico vinha de uma cidade pequena no interior, chamada Lar dos Anjos. Aos 17 anos, seus pais o mandaram para a metrópole mais próxima, no caso a enorme Fortaleza, para que o garoto cursasse o Ensino Médio em escolas de maior reconhecimento e condições, e assim ele o fez. Faz mais de três anos que o primogênito dos Carvalho havia sido aceito na faculdade de Veterinária, e desde então, não voltava à sua cidade natal.

Não foi muito difícil para Érico abrir mão de sua cidade natal e abraçar todas as tentações da cidade grande. As festas, os lugares, as pessoas. Tudo aquilo parecia muito novo e envolvente para um garoto do interior, que acabou se afastando da própria família e foi tomado pelas facilidades de uma vida sem pais e responsabilidades.

Quando Érico não apareceu no aniversário de sua mãe no ano anterior, foi a gota d'água para Cláudio, seu pai. Estava mesmo sustentando um garoto ingrato que não aparecera para o aniversário da mulher que o dera a vida e mandava os parabéns por mensagem? Qual seria o problema de pelo menos fazer uma rápida ligação?

[Conto] Rodovia 47Where stories live. Discover now