Cap V- Festa!

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Minha cabeça acordou antes de mim. A dor latejante já me atormentava antes mesmo de eu abrir meus olhos. Abri devagar um olho de cada vez. O clarão foi mais atormentador que para um vampiro das antigas. Aos poucos fui me situando. Senti um ar que cheirava levemente a café sobreposto a um que fedia a embriagueis. Tentei me por sentado na cama mas a ressaca me derrubou em um só golpe. Olhei primeiro para o meu estado. A camisa amarrotada estava imunda e toda marcada com gotas do conhaque de Jasão, que só o cheiro me embrulhou o estômago. Estranhamente eu havia dormido de calça, e um pé estava calçado com o all star, e no outro uma meia encardida. Depois de me vistoriar, corri os olhos pelo meu quarto. Estava com a porta trancada e a chave no chão. Minha cabeça deu um giro quando finalmente me sentei. Caminhei apoiando-me nas paredes até o banheiro. Meu primeiro desejo era um banho. Quando comecei me despir, cheirava a suor. Quando por fim baixei a cueca me assustei com a quantidade de porra estava lá. Tentei me lembrar do motivo, mas algo me bloqueava. A cabeça doeu outra vez. Corri pra debaixo do chuveiro e deixei a água escorrer por quase meia hora. Saí ainda pesado da ressaca, mas consegui chegar até a fonte do cheiro de café.

Dona Ana na cozinha estranhou quando entrei. Eu usava óculos escuros para tentar esconder a marca da misteriosa noite passada.

— Você? Acordado a essa hora? Formigas no colchão, menino? — Sorri, mas isso me custou uma pontada na cabeça.

— Dormi mal.
— Ta doente será?

— Não não, só um gole desse café cheiroso aê, que estou novo em folha. — Ela me serviu uma caneca diretamente do coador. Bebi em goles pequenos enquanto tentava organizar minhas idéias, mas foi em vão. O café se foi e eu fiquei. Saí da casa em busca de respostas, sol, e do peão.

Caminhei tropeçando em mim mesmo pelo jardim. Dei algumas voltas e brinquei com os cachorros. Deitei-me na grama. Olhando pro céu tentei fazer uma linha de raciocínio. Depois do jantar fui beber com Jasão. Bebemos a bebida do inferno dele puff. Tudo para aí. Devo ter ficado bêbado e ele me trouxe para casa. Mas e aquele tanto de porra?Devo ter batido uma. Uma? Tinha quase um litro ali. Meu raciocínio foi cortado quando ouvi passos. Uma sombra me cobriu.

— O eterno desocupado. — Alteei os olhos para ver quem era e me surpreendi.
— Pêra aê? Tomás Hidaka, o pão de queijo? — Me sentei e sorri pro meu amigo de infância que me encarava com seus olhos miúdos. Ele esticou a mão e me ajudou a ficar de pé. — Caraleo, o que você ta fazendo aqui? Cara você ta muito diferente!

— Os anos me fizeram bem. — E realmente fizeram. Tomás era um japa gordinho que tinha o cabelo escorrido na testa. Agora, era um rapaz magro e de franja. Tinha os mesmos olhinhos apertados e o sorriso cativante. Filho de uma família descendente de japoneses que fez riqueza no ramo da produção de frutas, Tomás vinha sempre brincar comigo quando eu estava aqui. Mas os anos nos afastaram. — E alias, não é mais pão de queijo, agora é só Tommy. — Sorri novamente.
— O que você está fazendo por aqui? Não tá estudando cinema no rio de janeiro?

— Férias néh parceiro, todos merecemos.
— Verdade. Sua família está na região?
— Sim, estamos tentando voltar às raízes. — Ele fez uma expressão engraçada e começamos a caminhar pela propriedade. E eu comecei a reparar em Tomás. Usava uma calça xadrezada clara, e uma camisa verde. Nós pés, que desde de criança me chamavam a atenção e com os quais fazíamos campeonatos de chulé, um nike branco todo lascado. Percebi que meu amigo havia adotado um estilo totalmente alternativo, como se espera de alguém que atua em sua área. E por mais que eu estanhasse, Tomás estava muito Tesudo. — E a sua?
— Nem...— Bufei ao responder. — Vim sozinho. Fazer um projeto de pesquisa.
— Você faz agronimia néh?
Fiz que sim coma cabeça enquanto passávamos pela porta do estábulo. Tomás riu.
— Qual a graça?
— Você queria veterinária. Por que faz agronomia?
— Uai, me identifico com a área.
— Sei o que você pensa. Mas isso é chover no molhado.
— O que? — estranhei a constatação quando ele desviou nosso caminho para dentro do estábulo.
—Você pretende construir sua vida, seu patrimônio e etc, certo? — Fiz que sim.— Mas você está se preparando para o que você já tem. Raciocine um pouco. Você vai se tornar mais um fazendeiro, como seu pai , seu avô e seus tios. — Aquela idéia me gelou. Minha covardia me sorriu. — Não falei isso pra te deixar desconfortável, tá? Falei por que acho que você precisava ouvir. — ele me deu abertura para mudar de assunto, e eu fiz.
— Como sabia que eu estava aqui?
— A Laura, nossa cozinheira, ficou sabendo pela Ana, que disse que você estava aqui largado. Vim fazer uma social.
À medida que caminhamos, paramos onde um homem lavava um cavalo apalooza. Tomás elogiou o animal e eu concordei, mas quando Jasão se virou e me viu, me arrancou um sorriso discreto. Ele retribuiu com um leve balançar de cabeça.

Meu primeiro mestre [+18]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora