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Andava pelas chuvosas ruas de paralelepípedo, típicas de ruelas de Londres. Meus pés almejavam por um descanso, o sapato que meu pai havia me dado estava machucando eles. Para dizer a verdade eles não me caíram muito bem, mas mesmo assim aceitei, papai me disse que o pessoal da medicina gostaria de mim se eu os usasse. Hoje de manhã, olhando meu reflexo no grande espelho velho que havia naquele apartamento velho, me perguntei o porquê de viver essa pseudo-vida. Me virava, encarava aquele jaleco que eu portava no meu tronco rígido por conta do estresse, e me perguntava onde aquilo tudo ia dar. Qual a graça de viver uma rotina? Ser assalariado e ser como um yo-yo? Deus, aquilo não era pra mim.
Uma dor aguda subia pela parte de trás da minha panturrilha por causa dos sapatos, andava em passos descoordenados por conta de estar mancando. Olhei em meu relógio: seis e cinqüenta e três. Estava atrasado quase uma hora para o meu encontro com Sarah, as flores que eu havia comprado à ela já estavam destruídas por conta da chuva. De qualquer forma, agora já não adiantava mais, então apenas segui para o ponto que sempre pegava o ônibus para ir para casa.

Por um momento esqueci dos meus pés latejando quando vi meu ônibus partir. Tentei correr atrás dele, porém a única coisa que eu consegui foi uma poça d'agua voando em meu corpo. Não me incomodei por molhar — até porque isso já era impossível — e sim por agora estar molhado por esgoto. Naquele momento me senti um verdadeiro lixo, e, então, me sentei no ponto com as mãos apoiadas nos joelhos e segurando minha cabeça. Por um milésimo de segundo pude sentir um alívio em meus pés, mas aquela dor agoniante voltou com mais força, então eu me abaixei para pegar quando vi algo cinza fosco cair ao chão. Peguei o objeto e vi que era um telefone, olhei para os lados se o dono ainda estava no lugar. Nada. Ninguém. Sutilmente guardei o celular no bolso e voltei a tirar os sapatos, prometi a mim mesmo que lembraria de tentar descobrir quem era o dono do aparelho.

Eu já havia desistido de pegar o ônibus, agora apenas caminhava pelas ruas que se encontravam escuras, e, em minha mão, segurava meus sapatos. Me lembrava que queria ser ator ou pintor, sempre pintava quadros bonitos e interpretava belos personagens, mas foi em um dia chuvoso como aquele que meu pai quase me bateu dizendo que isso não daria futuro. O que eu fiz? Você deve achar que eu lutei contra ele e descobri que, na verdade, queria fazer medicina. Não foi bem assim, eu apenas assenti e disse que faria a faculdade de medicina. Hoje ele luta para paga-la e eu finjo que eu sou de uma 'boa' classe social, quando, na verdade, eu sou apenas um pé rapado qualquer. Senti um alívio em meus peito quando vi que estava em frente à porta de meu prédio; morava em uma rua escura e estreita, havia algumas lixeiras transbordando lixo, alguns gatos passavam pelas sombras e não tinha um cheiro muito bom. Com toda certeza não era a melhor rua do bairro, mas era melhor do que nada!

Dentro do apartamento pude ver meu pai jogado no sofá dormindo ainda com o uniforme sujo do seu emprego. Soltei um sorriso meio torto e cocei a orelha com a mão que eu segurava as chuvas do modesto apartamento e então desliguei a TV que estava passando uma novela mexicana monótona.Olhei pela bagunça na sala como quem devorava cada rua de uma cidade; tinha papéis de parede velhos de cor verde com alguns detalhes em vermelho, rodapés verdes com alguma dobras, o sofá era velho e com vários furos — que foram cobertos por uma manta que eu mesmo tricotei.O resto da casa era praticamente a mesma coisa: coisas velhas, paredes verdes, mofo, e lugares escuros. Segui até o meu quarto já retirando minha jaqueta do exército e a tacando na minha cama, logo tirei toda a roupa e entrei no banho quente. Alívio. Foi isso o que eu senti, pude sentir os meus músculos se contraírem e logo depois relaxar. Apoiei meus braços no azulejo frio do banheiro e respirei profundamente. Meus pés doíam como nunca, a dor já havia se espalhado para o resto do meu corpo. Me lavei depressa, sai do banheiro e senti a brisa fria que entrava em meu quarto. Tratei de fechar a janela e coloquei um pijama velho, porém que me aquecia muito bem.
Olhei minha cama e analisei toda aquela bagunça: mochila, flores destruídas, casacos molhados, jaleco molhado, etc. Suspirei cansado e taquei tudo para o chão. Me joguei na minha cama de madeira velha (quando digo velha, quero dizer que tenho ela desde os seis anos), me cobri com dois cobertores que tinham cheiro de mofo e nafitalina. A culpa de não estar estudando a matéria da prova me corroía por dentro e me deixava zonzo, mas o sono logo venceu tudo isto e me trouxe a paz.

Eu juro que vou att "soldiers"

bus stopWhere stories live. Discover now