Rubi

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Rubi não tinha nem 30 anos, mas carregava uma alma que parecia uma bagagem usada durante séculos. Quanta vivência tinha aquela Rubi. Ela conhecia a vida em sua mais original forma; nua e crua. Penso que Rubi era um pouco como a vida em si: sempre nua, sempre crua.

Ela tinha segredos, vários. Mas o que mais chamava atenção sobre ela, não eram seus segredos, e sim o que ela se deixava conhecer.

Linda, loura, voluptuosa, lembrava Marilyn Monroe. Tinha a pele branca e enormes mamilos rosados, que sempre apareciam por debaixo de suas roupas transparentes. Seus olhos castanhos avermelhados estavam sempre borrados com excessiva maquiagem preta, e seus lábios sempre carregavam vestígios de um batom vermelho marcante.

Ninguém sabia o que Rubi fazia durante as noites. Ela sempre saía de casa usando um sobretudo preto, no ápice de sua beleza, e na manhã seguinte, comparecia à padaria para comprar café, embriagada, usando suas roupas transparentes e maquiagens borradas.

Rubi parecia uma prostituta de luxo, diziam. As jovens senhoras daquele bairro não conseguiam conter seu incômodo e seus futricos sobre a moça, mas ela não se importava:

- Quem dera eu ser prostituta de luxo. Sou estuprada diariamente pela vida - ela dizia.

Era a vida quem violentava Rubi, ou ela mesma, com suas bebedeiras infinitas, tabaco e remédios para se acalmar? Nesse caso, acredito que há mais de uma verdade.

Rubi tomava pílulas de todas as cores. Usando meia-calça preta rasgada, blusa branca completamente transparente e seios que balançavam enquanto ela se movimentava como um gato pelo sofá, ela ouvia músicas tristes de jazz, esperando os medicamentos fazerem efeito.

Várias fotos decoravam sua casa escura e desorganizada. Eram retratos de uma Rubi sorridente, de rosto limpo, sorriso aberto, roupas coloridas e flores nos cabelos. Ela estava acompanhada por aquele tipo de pessoas que carregam uma aura tão vibrante, que todos nós queremos tê-las como amigos. Ela gostava de fotos.

- Há muito tempo, muitas vidas atrás - Ela dizia, com a voz rouca de cigarro, sobre as fotos.

Um dia, tomei a liberdade de vasculhar a casa de Rubi, enquanto ela parecia estar inconsciente no sofá, após misturar pílulas e remédios. Cada detalhe sobre ela era tão maravilhoso e encantador, que eu não podia me conter. Ela guardava vidrinhos de perfume, daqueles antigos, em formato de pavões e outras aves. Tinha gatos chineses de enfeite, luminárias, velas, incensos e penduricalhos por todos os cantos. Os tapetes de vários estilos se misturavam.

Cheguei ao quarto dela e ignorei a enorme cama bagunçada. Fui direto ao guarda-roupa e abri a primeira porta, que pendurava um espelho. Logo acima desse espelho, uma foto pregada. Era desgastada, sem moldura, mais antiga do que as que haviam espalhadas pela sala.

Uma Rubi de dezesseis anos era abraçada por um rapaz de pele bronzeada, de idade parecida. Era perceptível a pureza no olhar de ambos, enquanto o céu reluzia por detrás daquelas duas silhuetas belas e jovens. Meu encanto pela foto foi tamanho, que arranquei-a par mim, sem pensar duas vezes.

Quando ia colocando a foto no bolso, Rubi surgiu, nua, na quina da porta de seu quarto. Segurava uma taça de bebida e um cigarro entre os lábios.

- Você pode levar tudo o que quiser. Menos essa foto. - Ela disse, soturna.

- Por quê? - Perguntei?

- Porque ela é minha ferida. Você está tocando na minha ferida. Ele me roubou o direito de viver como um ser humano.

- Por quê? - Perguntei com curiosidade.

- Ele veio, sorrimos, amamos... Pelo menos EU amei. Ele me deixou, foi embora. Foi embora como se eu não existisse mais. Então, eu não existo mais. Sou o fantasma de minhas fotos.

Depois daquele dia, Rubi trancou as portas de casa, não saiu mais à noite, e eu nunca mais a vi.

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⏰ Last updated: Jan 10, 2017 ⏰

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