Detetive Encarcerada

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Há quem só tenha amigos pela internet, só interaja pela rede. Inês se contentava com ainda menos: apenas observava, em silêncio, a vida de pessoas que nunca a notaram. Que, se cruzaram com ela algum dia, já nem conseguiam lembrar. Inês lembrava. Buscava. Perseguia sem distinção conhecidos e desconhecidos. Como resistir a acompanhar aquelas vidas que se desenrolavam todas na rede, a um clique de seu mouse? Abdicara da própria vida, mas acompanhava a vida alheia como quem assistisse a uma novela, imperceptível expectadora. Nada mais lhe dava tanto prazer.

Encontrara por acaso o perfil da filha de uma ex-colega de escola que engravidara na adolescência, e sentiu uma angústia enorme. Uma ex-colega sua tinha uma filha de catorze anos! Inês lembrava-se em detalhes de si mesma nessa idade: sentia-se bonita, capaz. Promissora. Ela sempre fora a precoce, a inteligente. Tinha as melhores notas mal abrindo um livro. Passou no primeiro vestibular. Cursou a faculdade quase distraída e, tão logo se diplomou, ingressou no mestrado sem qualquer atropelo. O conceito de esforço era-lhe alheio. Até que entrou na disputa por uma bolsa de estudos para um doutorado no exterior, e falhou na primeira tentativa. Bem como na segunda. E na terceira. Passada para trás por gente que considerava medíocre, mas que, por isso mesmo, quem sabe, havia desenvolvido a determinação e disciplina que ela nunca exercitou. A filha da colega jogava em sua cara que o tempo passara e a promessa não se cumprira. Não era mais aquela menininha, era uma mulher, supostamente cheia de responsabilidades, exceto por não as assumir.

Tinha vinte e oito anos e vivia com os pais e a irmã sete anos mais moça. Quanto mais passava o tempo, mais se deixava infantilizar. Não tendo sido aceita no doutorado, não tinha iniciativa para qualquer outro plano. Incapaz de ganhar a própria vida, tampouco ajudava na rotina da casa onde vivia, fosse indo ao supermercado ou tomando para si a tarefa de manter as contas em dia. Durante algum tempo, seus pais lhe pediram que arrumasse um emprego. Como ela ignorasse o pedido, eles próprios conseguiram-lhe um trabalho na loja de um amigo, ao qual ela nunca compareceu. Depois de uns meses, a ladainha "emprego" deu lugar à ladainha "psicólogo", a que ela também fez ouvidos moucos. Por fim, do mesmo modo que pararam de falar em trabalho, não mais falaram em psicólogo, ou no que quer que fosse. Hoje em dia, pouco lhe dirigiam a palavra. À noite, ouvindo as vozes que vinham do quarto deles, tinha a impressão de que era sobre ela que falavam, mas não dava importância ao caso.

Um de seus alvos favoritos era Renata. Descobrira por acaso o blog em que ela relatava seu dia-a-dia como vendedora de calcinhas usadas. O espirituosismo do subtítulo do site, "Vendendo calcinhas usadas para nunca mais ter que lavá-las," cativara Inês de imediato. Sorvia cada palavra com fascinação. Ali estava alguém que, como ela, não se inserira no mercado de trabalho, mas soubera lhe dar a volta. Ela seguia Renata apenas pelo prazer da leitura, não para investigá-la, o que seria muito difícil. Nem sabia se ela se chamava Renata. Talvez fosse um nome falso. Não mostrava o rosto nem precisava a idade, afirmando ter "vinte e pouquinhos" anos. Também não havia muitos comentários em suas postagens, menos ainda de clientes. Estes a abordariam por mensagem privada, pois homem nenhum deixaria comentário em uma postagem pública querendo comprar calcinhas. (A ironia, pensava Inês, era que, quando se tratavam das pequenezas do dia a dia, a falta de pudor das pessoas em publicar todo tipo de detalhes de suas vidas nas redes sociais era absoluta, achando improvável estarem sendo vigiadas em meio àquele mar de gente, ou considerando a vigilância inofensiva.)

Só quando levantou os olhos da tela, percebeu estar envolta pela penumbra. Mais um dia findava devagarinho, sem que precisasse ter andado mais que os passos que a conduziam à mesa do almoço e de volta ao quarto; nem tido que trocar qualquer palavra com alguém: seus pais, à mesa, preferiam manter a conversa apenas entre eles, para conforto de todos. Olhou ao redor, para a cama, a janela, o armário e as prateleiras que constituíam todo o seu universo. As paredes eram nuas, sem enfeites. Os móveis eram sérios, de madeira escura. O quarto era excessivamente sóbrio para o quarto de uma moça. Ainda seria moça?

A vendedora de calcinhas usadas e outros profissionaisWhere stories live. Discover now