E meu pai era minha sobra, tudo que tinha me restado e me forçado a continuar. Por ele eu faria qualquer coisa com um sorriso no rosto.

Levantei e fui até o meu quarto pegar o filme, já que tinha tido uma mudança de planos. Nesse meio tempo ouvi a campainha tocar, mas não me preocupei com quem podia ser, já era tarde, ninguém além de um vizinho deveria estar na rua aquela hora.

-Boa noite Sr.Mcgregor.- ouvi uma voz terrivelmente familiar falar.- Espero que não esteja tarde, avisei a Anne que seria quase impossível vir, mas por uma sorte enorme meus pais me deixaram vir.

-Claro, entre querido.- disse meu pai com carinho.

Eu não conseguia acreditar que meus ouvidos estivessem certos. Não era possível que eu estivesse mesmo ouvindo aquela voz no único lugar onde ela nunca deveria ter estado. Voltei para a sala bem a tempo de ver meu pai convidar Harry para se sentar na nossa poltrona.

-Querida, seu amigo chegou.- disse meu pai olhando para mim.- Você não me disse que tinha visita para ver o filme, caso contrário não teria me convidado.

Meu pai era inacreditável. Um garoto aparecia na nossa casa à 1h da manhã e ele não conseguia parar de sorrir. Agia como se Harry fosse um parente que estivéssemos recebendo. Tudo bem que eles tinham uma convivência diária, mas meu pai podia ser no mínimo como os outros pais, aqueles que não permitiam que sua filha recebesse visitas noturnas de garotos.

Ah, me esqueci de dizer que meu pai era a pessoa mais querida e amável que existe na face da terra. Daquelas que aceita tudo de todos e que espera sempre o melhor das pessoas.
E Harry era esperto o suficiente para usar isso a seu favor. Sempre bajulava meu pai, sempre mostrando um lado dele que eu não estava muito certa de existir, de forma que meu pai amava o garoto. O tratava quase como um filho, até porque se não fosse por Harry ele não teria um emprego.
Como motorista particular da família Collins meu pai nos sustentava. O salario era bom, o horário era flexível e a família de Harry tratava meu pai como um integrante da família.
Sim, minha ligação com Harry ia bem além do que eu podia controlar. Entende agora porque eu o odeio tanto?

-O que você esta fazendo aqui?- pergunto a Harry com delicadeza. Assim como ele, eu também agia diferente na frente do meu pai, não queria que ele pensasse que eu era errada e não Harry. Por diversas vezes tentei convencer meu pai de que ele era uma pessoa maldosa e insuportável, mas ele sempre interpretava aquilo como implicância e as vezes até como desejo.
E mesmo que eu fosse adulta e pagasse minhas contas, não entrava em conflito nunca com meu pai.

-Noite de filme, esqueceu?- perguntou ele como se fosse obvio. Depois pegou uma porção de pipocas no vasilhame e sorriu para meu pai.

Respirei fundo. Não era a primeira vez que ele fazia aquilo, mas eu nunca estava preparada para a cara de pau dele. Ele sempre me surpreendia com suas invenções sem cabimento.

Certa vez Harry apareceu no meu apartamento dizendo que estava sem as chaves de casa e convenceu meu pai a deixa-lo dormir no nosso sofá. Foi inacreditável como meu pai simplesmente aceitou aquilo e no outro dia ainda acordou e fez café para o garoto como se ele fosse bem vindo.

Só que aquela noite estava sendo pesada e não queria mais um estresse antes de dormir.

Dei um tapa na minha testa e sorri.

-Como pude esquecer. Acho que estava tão cansada que acabei esquecendo.- o fuzilei com os olhos quando meu pai me deu as costas.

-Tudo bem, posso ir embora se vocês estiverem ocupados.- disse Harry de forma educada.- Não quero atrapalhar.

Meu pai balançou a cabeça e eu já sabia que estava tudo perdido.

-Não, por favor. Não estraguem a noite de vocês por minha causa.- ele se levantou e se espreguiçou. Depois olhou para mim e continuou.- Eu já estava querendo ir para a cama mesmo, não perca a sua noite comigo querida, aproveite.- disse meu pai cheio de olhares conspiratórios. Aquilo não podia estar acontecendo mesmo.

Quase, sem quererWhere stories live. Discover now