24 de Dezembro

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Nunca entendi o fascínio das pessoas com as festas de final de ano nem o fato delas não perceberem que essa tradição, assim como todas as outras datas comemorativas do nosso calendário, não passam de uma maneira encontrada pelo sistema de movimentar a economia. Qual o sentido numa decoração que remete ao inverno quando o termômetro no calçadão marca mais de 40 graus? Para mim sempre foi impossível aceitar a ideia do senhor vestido de vermelho com aquela roupa NADA A VER em pleno verão carioca! Só de pensar me dá calor! Mas confesso que agora, parada em frente à mesa de jantar e comendo essa rabanada maravilhosa que a tia Simone fez, o natal não me parece tão ruim.

Tia Simone é uma das pessoas mais incríveis que conheço. Cozinheira de mão cheia e mãe de um casal de gêmeos pestinhas, ela recentemente abriu uma doceria que está fazendo o maior sucesso. Sua especialidade são as rabanadas recheadas que, como diz o slogan na porta da loja, Transformam em natal o ano inteiro. Todo os anos a família se reúne na casa dela para a celebração de dezembro e esse ano não foi diferente. Não somos muitos. Apenas eu, meus pais, meu irmão mais velho, o marido da tia Simone, os gêmeos de 9 anos e aquele que não deve ser nomeado e que, por sinal, acabou de chegar. Por que esse mala veio passar o natal aqui novamente? Eu sei, ele é afilhado da Tia Simone e está automaticamente convidado, mas não deveria estar com os pais? Será que mais uma vez eles foram viajar e essa pessoa irritante inventou de fazer um curso de férias? Lembro bem que foi essa a explicação que ele deu nas últimas duas vezes.

Nunca tive nada contra esse garoto, até achava ele bonitinho, muito bonitinho pra dizer a verdade. Tudo bem, admito, eu gostava dele e até escrevi nossos nomes dentro de um coração quando mais nova, mas a alguns anos atrás tudo mudou. Estávamos reunidos em volta da mesa para a ceia quando expus minha visão a respeito do natal para a família, todos aparentavam estar interessados no meu ponto de vista e pareciam entender tudo o que eu havia colocado em questão, até que o Guilherme me interrompeu e me chamou de Grinch moderno. Meus familiares acharam a comparação divertidíssima e explodiram em gargalhadas. Tentei contornar a situação e retomar a discussão de forma inteligente, mas não funcionou. Nunca me importei com a ideia dos outros ao meu respeito, mas o fato de ter visto todo meu trabalho argumentativo ir por água a baixo graças a uma piada sem graça me deixou bastante chateada. A partir daquele dia me tornei o Grinch dos Vilela e tomei raiva do moreno de cabelo enroladinho e olhar sonhador.

Havia acabado de colocar um pedaço grande de Rabanada na boca quando meu irmão se aproximou com um olhar que eu conhecia bem. Ele estava pronto para implicar comigo.

- Seu namoradinho chegou. – Fernando disse, rindo.

Pensei em responder alguma coisa desaforada, mas era melhor não dar corda. Se mostrasse que estava incomodada com aquilo ele iria me encher o saco até eu perder a cabeça de vez. Olhei pra cara dele com ar de desdém, peguei um pedaço de panetone e me afastei. O mala, não satisfeito com minha reação, foi atrás de mim e continuou com as piadinhas. Vi que, do outro lado da sala, Guilherme nós observava. Quando nossos olhares se encontraram ele acenou e sorriu. Por educação, respondi ao gesto com um sorriso amarelo no rosto. Meu irmão, assim que percebeu o que acontecia, fez um coração com as mãos e disse que formávamos um belo casal. Ainda bem que meu pai o chamou, só assim para ele não continuar com aquela palhaçada.

Sofia e Felipe, filhos da tia Simone com o Tio Ronaldo, corriam em volta do meu desafeto numa tentativa de convencê-lo a brincar de pique pega com eles. Era impressionante como as crianças o adoravam. Talvez fosse pelo fato dele inventar ideias malucas para essa época. Esta era a primeira vez em dois anos que ele não aparecia com uma fantasia sem noção. Ano passado chegou vestido de papai Noel e ficou dançando todo descoordenado pela casa, estava claro que o objetivo dele era fazer graça, mas a verdade é que foi bem tosco. Guilherme parecia um louco alucinado que tinha sido jogado bêbado num gira-gira e acabado de sair. E admito, um papai Noel dançarino era uma das últimas coisas que eu esperava ver na vida. Mas isso foi menos pior que a surpresa do ano retrasado. Ela foi tão bizarra, mas tão bizarra que continua absurdamente viva na minha memória.

Surpresas de fim de ano [CONTO COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora