Está

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- Eh, Norman, está tudo normal?

Sempre odiei esse tipo de brincadeira com meu nome. Na maioria das vezes, apenas balanço a cabeça, nem sim, nem não, pois as pessoas sequer querem saber de verdade. Desta vez, acabei por soltar um resmungo (não sei exatamente qual), e apressei o passo até minha estação de trabalho. O que eu menos queria era chamar a atenção, já que estava me sentindo do avesso.

Depois de ler aquela maldita mensagem, tudo pareceu ruir. Acabei por não conseguir comer, nem mesmo dormir. Fiquei na cama a noite toda, a sofrer sobressaltos ao menor ruído. Horas antes do despertador tocar, desisti de fechar os olhos e fui ao banheiro com a intenção de tomar banho. Mas isso significa fechar a porta e ligar o chuveiro. Perder a visão da entrada do apartamento, assim como não escutar o que se passava ao redor. Então apenas usei a privada (talvez tenha urinado fora, não tenho certeza), vesti qualquer roupa e andei de um lado a outro a me afogar em dúvidas e medos. Afinal, quem eram 'eles'? E, ainda pior, o que 'eles' queriam comigo?

O trajeto para o trabalho foi ainda pior, pois eu virava para trás a todo instante, certo de estar sendo seguido. Estava cedo, então fiz diversas voltas pelas ruas, depois desci em estações diferentes, os olhos arregalados, sem nunca perceber um mesmo rosto e, ainda assim, a persistir com a sensação de não estar sozinho.

Assim que cheguei na empresa, sabia que seria um dia difícil. Acenei com a cabeça para qualquer um que cumprimentava, passei pelo meu chefe (ele quem costuma ser o engraçadinho do "eh, Norman, está tudo normal?") e fui sentar na cadeira. Esfreguei o rosto, tentando pensar com mais clareza e mentir a mim mesmo que aquela mensagem não significava nada.

- Eh, Norman? Está tudo normal?

Respirei fundo, evitando soltar qualquer resposta por impulso. Afinal, não seria uma resposta bonita. Com lentidão, virei o rosto para meu chefe (ele sempre me lembrou um porquinho da índia, talvez por ser gordinho, o rosto miúdo na cabeça grande, ou simplesmente pelo fato de eu odiar porquinhos da índia). Eu já estava de boca aberta para falar algo (seria o habitual 'sim?', e não 'o que é que há, porquinho?'), e fiquei mudo ao avistar a mulher ao lado dele (demorei a constatar que minha boca permaneceu aberta).

Devia ter uns trinta anos, toda comportada em um terno azul escuro. A expressão era perdida e confusa, apesar de existir um resplandecer de inteligência nos olhos por trás dos óculos de armação nerd (talvez o nome da armação não seja esse).

Nunca tive uma real meta de vida. Trabalhar, ter uma cama para dormir, comida para o estômago, televisão para as horas vagas, aposentar (se é que vai existir aposentadoria quando eu chegar na velhice) e morrer (em paz, de preferência). Devido à falta de confiança (e péssimas experiências), desisti da ideia de arranjar companhia. Ainda assim, diante da visão quase radiante da mulher de terninho, eu estava até mesmo envergonhado por não ter tomado meu banho aquela manhã.

- Norman, esta é Está. - o porquinho da índia abriu um sorriso idiota. Já era de se imaginar que depois iria criar a inteligente frase 'Eh, Está, como está?'. - Ela passará por três meses de experiência conosco. Como você chegou cedo, poderia mostrar o lugar? Estou muito ocupado. Deixe que ela se sinta normal. - ele soltou sua risada, e não, a risada não era de um pequeno e peludo bichinho de estimação, e sim de um porco selvagem.

Após a saída do chefe, ficamos parados por alguns instantes constrangedores. Apontei ao redor, sem muito que fazer. Como me senti ridículo ao falar 'esta é nossa sala de trabalho'. Certo que meu rosto começava a mudar de cor, resolvi avançar pelo caminho. Iria apresentar a cozinha (um cubículo com um microondas que não esquentava e uma geladeira que fazia mais barulho que caminhão a tentar desentalar do barro), o banheiro (das mulheres não sei, mas dos homens era um urinol e uma privada limpada em ocasiões especiais), e a varanda (nenhuma vista bonita, apenas a visão de prédios mal pintados. Ainda assim, meu lugar favorito no trabalho. Após horas na cadeira de frente para o computador, era tão bom sair e respirar o ar poluído da cidade, esquecer o porquinho da índia, os clientes, os problemas). Acho que o pior ao fazer aquele tour, foi ter de apresentar as pessoas que cruzaram nosso caminho. Afinal de contas, nunca lembro o nome da metade (devido ao humor do porquinho da índia, existe uma mudança muito alta do quadro de funcionários. O salário e falta de perspectiva também ajuda nisso. E por que eu continuo aqui? Porque já foi uma verdadeira dificuldade conseguir essa vaga. Procurar outra é ainda pior. Eu sei, eu já tentei)

Ao abrir a porta para a varanda, respirei fundo. Meus olhos acabaram por percorrer toda e qualquer janela à vista, com medo de que alguém pudesse estar por ali para me vigiar. E percebi que a mulher fazia a mesma coisa.

Ali tão perto, reparei como os cabelos castanhos eram brilhantes, a pele bem cuidada. Mesmo o terno, passado com zelo. Ou ela estava treinando para ser a nova chefe, ou perdera alguma aposta com as amigas ricas e teria de suportar nossa empresa como punição.

Como ela mantinha a testa franzida, deixei de me preocupar com 'eles' por um momento, pois estava inquieto comigo mesmo. Estaria eu fedendo? Devido ao desespero de manhã, nem mesmo desodorante passei.

- Desculpe. - ela disse de repente, e eu fiz cara de idiota por não saber do que, exatamente, ela estava se desculpando. - Eu realmente sinto muito. Não pensei que a mensagem iria afetá-lo tanto.

Sem esperar por aquilo, dei um passo para trás (provavelmente com a cara ainda mais idiota). Várias perguntas se amontoaram. Quem era ela? Como me conheceu? De que forma entrou no meu apartamento? Gostaria de tomar uma xícara de café? Que porra significava que eles voltaram? Entreabri a boca algumas vezes, e não consegui falar nada.

- Não quero que fique tão abalado assim. Eu estou aqui para ajudar. - a olhar ao redor, ela meneou a cabeça. - Esse não é o melhor lugar para conversar, Norman. O seu apartamento também não. Pense em qualquer lugar que julgar seguro e me avise até o fim do dia.

- E-eu... E... - não sei por quanto tempo fiquei gaguejando igual a um retardado. E assim que a porta da varanda abriu, me senti ainda pior diante do meu chefe, que abriu um sorriso amarelo.

- Ora, ora, Norman e Está! Está tudo normal? Ha-ha-ha. - minhas mãos se fecharam com força. O rosto, provavelmente, se tornara escarlate. - Estou atrapalhando alguma coisa? Ou vocês vão resolver trabalhar?

- Desculpe, eu estava fazendo perguntas sobre o trabalho. Não quero desapontá-lo. - ela disse, usando um tom envergonhado, derrubando as possibilidades de respostas e chacotas do porquinho da índia, que se retirou rápido diante da derrota. O que foi uma verdadeira sorte, pois se eu quem respondesse o que queria, provavelmente teria sido jogado para fora da varanda. - Temos de conversar hoje, Norman. Ainda não localizaram você, mas não podemos perder tempo. Você é um defeito e precisamos... - ela se calou por um instante, parecendo até mesmo hesitante. - Precisamos deixar tudo normal.

NormanOnde as histórias ganham vida. Descobre agora