O lago, o Amor e as Profundezas

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Redondo como um prato, profundo como um abismo. Era assim que eu descrevia nosso lago, bem aquele em que, fugida de meus pais, tivemos nosso primeiro encontro a sós.

Aquele local, testemunha do nosso amor, foi palco de ternas palavras, tórridas ações, assistindo o desenrolar da minha paixão por ti, da minha dedicação.

Eu teria atravessado a vida a te venerar.

As águas são frias, você sabe. Tão profundamente geladas. Eu não pensava que você também seria assim.

Eu te esperei por toda uma noite, no frio, protegida por uma capa dos flocos brancos que despencavam céu a fora. Fiquei doente, não pela noite fora, mas pelo desgosto. Meu pai odiou você. Por toda a vida ele me disse que você era um vil aproveitador. Eu não sei por que eu contei a ele o que aconteceu, creio que precisei que alguém o odiasse por mim, pelo que você havia feito.

Você jurou que havia sido um engano, que não pretendia me deixar esperando. Mas era uma mentira, apenas mais uma mentira na qual eu acreditei.

E eu acreditei em tantas.

Sequer duvidei de você, quando um ano mais tarde, me chamou para aquele mesmo lugar. Foi um tempo difícil aquele nosso, porque você parecia contrafeito o tempo todo, meu pai me vigiava como um urubu vigia uma carcaça, e a casa, você sabe, se enchia de pretendentes a me desposar.

Eu disse que lhe daria tudo. As minhas jóias, eu as entreguei a você. Você precisava delas não é? Você disse que sim. Disse que a jovem que desfilara com meu colar de safiras, aquele que meu pai escolhera a dedo para mim, que ela a havia comprado do penhor onde você havia colocado.

Quando ela engravidou, exibindo um vergonhoso ventre sem pai, você riu, dizendo que eu jamais seria como ela.

Eu realmente não fui como ela.

Eu jamais me casei.

Nunca tive filhos, nem mais posso ter.

Porque agora, o lago, aquele lago, redondo como um prato é tudo o que me resta. É onde descansa toda a promessa da minha vida. Naquelas águas profundas como as dos oceanos, onde você me deixou, para viver com os peixes, as algas e as ninfas. E eu aguardo, ora aguardo. Você me contou mentiras, me cortou em tiras, fez pedaços do meu coração.

Roubou meu pais, minha casa, minha honra, minha vida.

E agora eu aguardo meu amor. Eu aguardo.

Pois nessas águas amigas descansa o futuro. O nosso futuro. Eu fiz tudo pra lhe ter em vida. Acredite, não é a morte, essa vã barreira, que ira me impedir de ter você.

E nesse lago, palco e testemunha de nossa história, será nossa casa, nosso leito, nossa eterna união.

Gelada o espero. Nas profundezas.

Fábulas SobrenaturaisWhere stories live. Discover now