Capítulo I - Eu te quero

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Escreva o que lhe digo, e tome o cuidado de não mudar uma única palavra. Tu se tornarás o guardião do meu legado; esconda-o bem, para que os inquisidores não lhe persigam, e ensina os seus filhos em segredo.

Quarenta e quatro invernos se passaram desde o tempo daquela menina, eu tinha apenas quinze anos, era uma pequena camponesa que tudo temia, em uma época em que mitos e lendas assolavam a escuridão das florestas à noite...

— Sophie! Saia já desta janela e venha logo me ajudar, já está ficando tarde! — Berrou minha mãe da cozinha. Eu estava distraída, pensando na imensidão do mundo que se escondia atrás daquelas montanhas. Era 13 de outubro de 1317, uma data difícil para minha mãe, já que naquele dia se faziam dez anos que meu pai havia partido em uma misteriosa viagem, da qual nunca mais retornou. Nunca me falaram muito sobre ele, só o que eu sabia é que ele se chamava Olivier e que era um homem muito inteligente e trabalhador, que ele dominava a leitura assim como os padres, e que não havia nascido naquela vila. Eu era muito pequena na época, pouco me lembrava dele, mas para minha mãe aquela era uma lembrança muito dolorosa.

Mamãe se chamava Camille e era uma mulher muito bonita, tinha os cabelos escorridos e claros, diferente dos meus onde sempre se fizeram cachos, e os olhos da cor do mel. Muitos tentaram cortejá-la desde que meu pai partiu, mas ela sempre os afastava com seu olhar triste e silencioso, no fundo, eu acredito que ela sempre esperou por ele...

Resolvi ajudá-la sem pestanejar, sabia que ela estava sensível e resolvi não a aborrecer. Corri para a beira do forno e retirei o pão com cuidado, cortei uma generosa fatia e a embrulhei em um pano limpo, era a ceia do meu avô. Minha mãe tentava não demonstrar a sua tristeza, mas seu silêncio choroso e sua falta de paciência a denunciava. — Logo irá escurecer, então se apresse e não se distraia pelo caminho! — Disse minha mãe enquanto me conduzia quase que aos empurrões em direção a porta.

Meu avô era o mais famoso marceneiro de Village des Fleurs, todos apreciavam as suas obras, do mais simples camponês até o mais exigente senhor das terras. O velho Lionel já estava com seus cinquenta e seis anos e ainda era um homem muito vigoroso e corpulento, apenas uns poucos fios brancos em sua cabeça denunciavam a sua idade. Sua paixão por seu ofício era tão grande que ele sempre trabalhava até tarde, e nestes dias, eu costumava levar a sua ceia e depois ficava para lhe fazer companhia em sua oficina. Eu adorava ouvir as histórias que ele contava enquanto trabalhava...

Havia uma conexão muito forte entre meu avô e eu, desde a morte de meu pai, ele sempre tomou conta de mim e de minha mãe, sua única filha. Ele nunca falava de minha avó, até onde sei, ela havia sido vítima de peste cinzenta e faleceu muito cedo.

Como ainda estava cedo para o pôr do sol, caminhei lentamente e completamente imersa em meus devaneios. Eu estava realmente incomodada com a tristeza de minha mãe, me machucava muito olhá-la prostrada daquele jeito. Em meus pensamentos, imaginava o que é que poderia ter acontecido com o meu pai — Será que ele foi roubado e morto por saqueadores na estrada? Será que ele caiu doente, e por isso nunca retornou para nós? — Mas nenhuma destas perguntas me entristecia mais do que a ideia de que ele poderia ter nos abandonado por uma outra mulher, e que agora tinha uma outra família além das montanhas.

Pouco havia caminhado naquela ruela íngreme e que sempre me deixava preguiçosa, quando senti que algo mordiscava a barra de meu vestido — Um cachorrinho! — Gritei encantada com aquele pequenino junto aos meus pés. Coloquei o embrulho com o pão em uma pedra que estava ao meu lado e logo tomei o cachorrinho no colo. Comecei a acarinhá-lo na barriga, e a sua expressão alegre aos poucos foi me acalmando dos pensamentos que me entristeciam naquela tarde. Fiquei algum tempo distraída ali com ele, naquele que parecia ser o mais calmo momento do meu dia...

Medievo - O Fruto ProibidoKde žijí příběhy. Začni objevovat