O garoto do Festival

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Sofia sentiu o suor escorrer pela testa enquanto corria em direção ao palco. Quase tropeçou algumas vezes, mas não podia se dar ao luxo de demorar mais. A bolsa, de lado, batia em sua perna com força e ela tinha certeza que deixaria algum roxo. Empurrou meia dúzia de pessoas até conseguir chegar na grade. Com uma certa dificuldade, levantou o rosto, colocou os cabelos pra trás e deu uma boa olhada no palco. E lá estava ele. O cara mais bonito do mundo. Segurava um baixo azul metálico e dançava como se estivesse debaixo do chuveiro. Era lindo. Sofia gritou a todos pulmões e, junto com a plateia, acompanhou o ritmo sensual da música. Acompanhou o romance. A mãe dela iria matar se soubesse o que estava fazendo agora – imagina se soubesse o que estava pensando?
Uma música, duas, três e eles anunciaram o fim do show. Sofia queria mais. Não era possível que aquilo fosse verdade! Sentiu as lágrimas rolarem pela bochecha e fungou alto. Uma garota do seu lado estava chorando muito e Sofia compartilhou do sentimento. E agora? Não sabia quando veria os The Plumps de novo. Era uma droga não morar nos Estados Unidos ou algo assim. Aqui nem um bom CD ela conseguia, mesmo se tentasse muito. Prendeu a respiração quando Allan, o baixista, abaixou perto de onde Sofia estava e estendeu a mão. O olhar dele nunca parou nela, mas Sofia sonhou mentalmente com a cena. A garota deu um impulso e tocou seus dedos levemente, antes que ele levantasse. Não foi a única – várias garotas compartilharam seu momento. Mas ela não se importou. Achou que nunca mais lavaria as mãos.

“E aí, como foi? Você tocou mesmo nele?” Luiza perguntou animada vendo Sofia andar, de cabeça baixa, pra fora da multidão. Luiza era sua melhor amiga e Sofia a achava uma das garotas mais bonitas que conhecia. Tinha o cabelo castanho curtinho e sempre usava roupas meio hippies ou algo assim. Analu e Bia, outras duas grandes amigas, estavam sentadas na canga vermelha, estendida na grama. Analu passava protetor solar, por causa do sol. Usava roupas curtas e um chinelo de dedo, totalmente inapropriado pro momento.
“Aham” Sofia disse, fungando. Olhou para suas amigas e sorriu. Elas claramente queriam estar em outro lugar “Vocês podem ir pra tenda de pop ou sei lá, eu vou ficar mais por aqui”
“Pop? Eu tô indo ver Fall Out Boy” Luiza riu mexendo nos cabelos. Sofia sorriu. Luiza a entendia. Analu se levantou, recolhendo a canga e comentando com Bia a quantidade de 'caras feios' que tinha por perto. Sofia olhou pros lados e balançou a cabeça.
“Vão dizer que não gostaram nada do show?”
“Amiga, não me leve a mal” Bia disse sacudindo os cabelos morenos e brilhosos, atraindo a atenção de vários garotos em volta “São gatos e tudo mais, mas não devem tomar banho”
“Eu tomo banho” Sofia limpou discretamente em volta dos olhos, lembrando que a maquiagem deveria estar borrada “Mas ok, entendi o que quer dizer”
“Passa protetor, amiga! Vai ficar reclamando depois” Analu entregou o pote pra Sofia, que apenas concordou, enfiando na bolsinha lateral. Luiza bateu palmas.
“Estou indo. Vai comigo?” se virou pra garota. Sofia negou olhando pro palco vazio, que até alguns momentos antes estava repleto dos caras dos seus sonhos. Viu o pessoal saindo de perto, indo pra outros palcos e tendas.
“Vou ficar mais um pouco. Te vejo lá daqui alguns minutos” disse. Acenou para Analu, vendo ela e Bia rebolarem pro outro lado do evento “Me liga quando terminar”

Viu Luiza sair de perto e resolveu sentar. O All Star estava sujo de lama e sua calça manchada quase até o joelho. Que merda, sua mãe iria dar um escândalo. Nunca que ela iria convencê-la que se sujou assim no shopping. Juntou os joelhos, colocou os braços em cima e ficou observando as pessoas em volta. Se ela fosse bonita como Analu e Bia, talvez os caras do The Plumps teriam dado alguma bola pra ela, certo? Só as garotas realmente bonitas conseguiam essas coisas.

Não que ela quisesse meramente deitar com os caras. Fazer sexo. Nem era isso. Sofia queria poder compartilhar o que as músicas deles queriam dizer e a fazia sentir. Era tão mágico, tão romântico!
Sentiu-se feia. Por alguns instantes pensou em chorar de novo. Não tinha sentido ficar buscando por um amor em uma música. O amor das músicas não era verdadeiro. E era sempre pra outra. Não pra ela.
Juntou as mãos e apoiou a cabeça no joelho. Ficou ouvindo as conversas das pessoas que passavam, tão alheias ao sofrimento dela. Tão alheias ao amor que ela queria sentir e que não tinha retorno.

Será que as musas e namoradas dos músicos sabiam o quão especial eram por terem caras como o Allan aos seus pés? E que ela, com seus dezessete anos, cabelos loiros pálidos e sujos, nunca iria conseguir ter o que elas tinham?
Será que isso era justo?

Segurando a vontade de chorar, ela tentou pensar em outra coisa. Uma garota que passava estava comentando sobre provas na escola e esse era o último assunto que Sofia queria poder pensar. Fora, claro, sua decepção por ser quem ela é. Não ia dar certo.
Sentou cruzando as pernas na grama e abriu a bolsa lateral, puxando de lá seu iPod. Mexendo no fio dos fones, começou a ouvir um dedilhado fraco de violão. Vinha de alguém ali perto. Olhou pros lados, incomodada com a sutileza do som, procurando o foco de atenção. Um garoto estava sentado na mesma posição que ela, a alguns poucos metros, e ele tocava, tão atento aos seus próprios dedos, que parecia tocar pra si mesmo. Sofia não conseguiu tirar os olhos da imagem. O garoto tinha os cabelos castanhos claros, compridos e mal cortados, chegando até seu queixo. Parecia que tinha passado navalha ele mesmo, devida a nada sutil forma com que suas pontas se desencontravam. Ele usava uma boina preta e um colete preto, em cima da camiseta branca. A calça, rasgada no joelho, terminava em um All Star mais sujo que o dela própria. Sofia sorriu, mas desistiu de olhar quando viu uma garota se aproximando.
Claro, nada era pra ela mesma.

Enfiou os fones de ouvido se concentrando em buscar alguma coisa bem malvada e raivosa pra ouvir e se distanciar do dedilhado, que era tão bonito, tão folk e tão romanticamente natural. Sentiu raiva por seu coração pedir por mais daquela música. Escolheu Avenged. Balançou a cabeça e seus cabelos, enquanto tentava fazer com que a música virasse sua verdade.

Poucos minutos depois, com um calor incompreensível no peito, ela não resistiu à vontade de olhar novamente pro garoto do violão. Ainda com sua música no iPod em plena altura, virou-se de lado e encarou a imagem dele.
Ele olhava pra ela. Olhava com uma expressão curiosa. Estava com um meio sorriso, enquanto mexia de leve os lábios em alguma canção que ela não podia ouvir, mas desejava conhecer de todo coração. Os olhos dele eram verdes bem escuros e ele apertava as pálpebras pra enxergar tudo debaixo do sol. Notou que seus braços eram tatuados e que não tinha nenhuma menina ao seu lado. As pessoas passavam, olhavam, mas seguiam em frente. Aparentemente ele não era bonito o suficiente pra elas.

Ele notou que Sofia o encarava e levantou as sobrancelhas. Sorriu mais abertamente, mexendo o piercing do seu nariz. Sofia queria morrer. Ele estava realmente olhando pra ela?
“O que está ouvindo?” ele mexeu os lábios, tocando os ouvidos com o dedo que segurava a palheta. Sofia entendeu e sorriu. Pensou em olhar pros lados, como cena de filme, pra se assegurar que estava falando com ela mesma, mas apenas sorriu.
“Avenged” ela falou mexendo só os lábios, da mesma forma. Muda. Ele fez bico, mexendo a cabeça em concordância. Sofia sentiu seu coração parar de bater. O estômago estava dolorido e ela sentiu os dedos começarem a tremer, ao mesmo tempo que os olhos queriam sair de foco.
“Qual seu nome?” ele mexeu os lábios. Sofia queria abaixar a música, queria ouvir a voz dele, mas seu corpo não obedeceu. Viu que ele falava devagar pra que ela entendesse.
“Sofia. E o seu?” perguntou respirando fundo. Ele apoiou a palheta com a boca por alguns segundos, enquanto jogava o cabelo pra trás da orelha e começou a dedilhar algo. Repetiu o nome dela sem encará-la e Sofia pensou que passaria a ter tendências suicidas se ele não respondesse logo. O garoto, sorrindo com o que estava tocando, olhou novamente pra ela.

“Dave” disse mordendo os lábios e voltando a encarar seu violão.  

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⏰ Last updated: Dec 07, 2013 ⏰

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