Capítulo XVII

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Capítulo XVII

Durante o enterro de Cecília e Mariana, praticamente toda a cidade compareceu. Os cidadãos permaneciam perplexos, com a tragédia que abateu a calma e pequena cidade. Alguns olhavam, entre temerosos e curiosos, a pequena Carolina, que segundo alguns boatos que percorriam a cidade, pode prever a morte da mãe. Ela chorava abraçada a prima Isabel. No dia da tragédia, quando acordou depois da febre, não se lembrava de nada que aconteceu naquele dia. Seu pai ficou aliviado, pela filha não ter essas lembranças e sofrer um trauma ainda maior.

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Ainda no enterro, Isabel não pode deixar de reparar que Antônio chorava muito. Enquanto seu pai, ao lado de Igor, parecia estar no enterro de um conhecido e não no enterro de sua mãe. Com a fisionomia séria ele não derramou uma lágrima sequer. "Talvez não gostasse de minha mãe" pensou consigo. Olhou em volta e a certa distância pode ver a figura de um homem solitário, que tinha o rosto banhado em lágrimas, reconheceu Francisco que as ajudou na estrada. "Minha mãe teria sido mais feliz com o senhor Francisco", pensou novamente. Mas nada agora importava, pois sua mãe jamais voltaria. Voltou a chorar com este pensamento.

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Após as últimas palavras do padre e do fim do sepultamento, as pessoas se dispersaram e foram para suas casas, debaixo de uma garoa fina. Depois que todos foram embora, Francisco se aproximou das lápides e ajoelhando-se, depositou flores no túmulo, se despedindo definitivamente de Cecília.



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Antônio, em casa, se dirigiu ao seu escritório. Queria ficar sozinho e pensar em tudo que aconteceu naqueles dias horríveis. Preso em seus tristes pensamentos, só escutou a segunda vez que bateram a porta.

- Entre.

Josefa entrou e, com uma expressão aflita no rosto, falou.

- Senhor Antônio, sei que não é uma boa hora, mas eu tenho que falar-lhe.

- Pois então fale, Josefa.

- Eu vim pedir as minhas contas.

- Não posso acreditar. Justamente agora, Josefa – disse sentido – que Mariana se foi, por favor, fique! Cuida tão bem de Carolina.

- Eu sei, mas se o senhor me permitir uma opinião... Penso que deveria mandar benzer Carolina, ou então interná-la em um convento. Para que ela fique livre dessas influências.

- Do que está falando?

- Do jeito que ela ficou naquele dia, patrão, das palavras que repetia. Só pode ser obra do demônio! – disse fazendo o sinal da cruz três vezes.

- Nunca mais repita isso! – bradou Antônio enérgico. Agora sabia quem espalhou a notícia que Carolina previu o incidente. – Farei suas contas e lhe pagarei imediatamente, mas não admito que fale nunca mais nada sobre minha filha.

- Sim, senhor – respondeu Josefa e saiu.

Ele deixou-se cair na poltrona, exausto e desanimado. Algo lhe dizia que enfrentaria muitos problemas com sua filha, e pior, sem a ajuda de sua companheira.

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Na fazenda, Isabel observou seu pai se trancar em seu escritório e Igor em seu quarto, o irmão chorou muito também. A menina, com saudades da mãe, entrou no quarto dela. Deitou-se em sua cama, abraçou seu travesseiro, depois se sentou em sua cadeira e abriu a caixa, onde ela guardava suas joias e maquiagem. Lembrou-se de vê-la várias vezes se arrumando, em frente aquela caixa, e ficando ainda mais bonita.


Começou a mexer nos objetos, tudo lembrava Cecília. Experimentou alguns braceletes, que ficaram enormes em seus pequenos bracinhos, devolveu-os a caixa. Remexeu em tudo e no fundo, encontrou um envelope, com uma carta dentro. Abriu, mas ainda não sabia ler. Resolveu guardar consigo uma recordação da mãe. Assim que aprendesse a ler, saberia o que estava escrito. Dirigiu-se ao seu quarto e guardou a carta em uma gaveta.


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Nota Histórica: Cemitérios. O costume de se enterrar os mortos dentro das igrejas perdurou até o final do século XIX. Tal prática causava certos inconvenientes, como o mau cheiro do corpo em decomposição. O cemitério fora do espaço sagrado era uma realidade no Brasil. Dom Pedro I promulgou uma lei que bania os enterros dentro das igrejas. Neste contexto surgiu à necessidade da criação dos cemitérios.

Curiosidade: Esquecimento após um trauma. A Amnésia dissociativa é um transtorno no qual ocorre repressão de memórias importantes. A amnésia diz respeito habitualmente aos eventos traumáticos, tais como acidentes ou lutos imprevistos, e é mais frequente que seja parcial e seletiva. Caroline, inconscientemente, apagou as memórias sobre a morte da mãe e da tia.

Glossário: Temerosos, Assustados; com medo; que suscita temor / Medrosos; que tem medo; que expressa receio. Alguns sentiam medo outros estavam curiosos a respeito de Carolina.

 Alguns sentiam medo outros estavam curiosos a respeito de Carolina

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