Das Profundezas do Mar da Morte

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    Leonor, agora Amanda saiu apressada do navio. Tão apressada que esqueceu até mesmo as botas. Todo aquele lugar era diferente, estranho. Ficara muito tempo encarcerada no escuro, privada da liberdade, longe de tudo. Mesmo assim a casa de sua família, que outrora fora cedida gentilmente por seu pai a tia viúva se erguia imponente sobre uma pequena colina. Fora muito feliz nos primeiros anos de sua vida. Tratada com amor e carinho, livre... Até que William a prendesse no maldito buraco, transformando-a em sua marionete. Subiu a colina por um caminho de pedriscos até encontrar o portão de grades brancas. Obviamente estava trancado, o dia ainda iria clarear. Não havia jeito, teria que escalar o muro de pedra! Foi uma tarefa um tanto fácil, graças aos pés descalços. Quando já estava preparada para descer o muro para dentro ouviu uma voz vinda de fora.
- O que está fazendo, mocinha? -
Uma mendiga velha e descabelada perguntou.
- Eu estou procurando por vingança, senhora. E este será o lugar em que a conseguirei! - Pulou para o quintal, abaixando-se atrás das moitas.

  Allister esticou a mão para o lado e sentiu a cama vazia. Onde estaria Leonor? Levantou e vestiu a calça, apressado. Ainda estava escuro lá fora, teria ela ido até a cozinha? O navio estava em silêncio total. Ele não queria acreditar, mas provavelmente ela havia saído sozinha, e apressada: nem levara as botas! Voltou a cabine para apanhar uma camisa e sair. Foi quando percebeu seu baú revirado. Sua arma, havia sumido! E junto com ela um pequeno punhal que ganhara da Jason em seu décimo aniversário. O que esta mulher estava fazendo? Saiu correndo em disparada para terra firme, mas por onde começar a procurar? Teria que perguntar aos bêbados e prostitutas se haviam visto sua amada, as únicas pessoas que estavam na rua aquela hora. O peito apertava, como se fosse explodir! Onde estaria Leonor???

  O dia começava a clarear. Ela alcançou a casa e subiu por um emaranhado de heras até uma sacada. Este era o maior quarto da casa, o soberbo primo certamente estaria aqui. Forçou a janela com cuidado e entrou pé por pé. Estava silencioso e a meia penumbra. Foi exatamente ali que sua mãe passou seus últimos dias. Tudo parecia exatamente no mesmo lugar. Ela avançou como um gato até a cama, ergueu o punhal e o enfiou no emaranhado de cobertas. Sentiu que o metal não perfurava nada além de tecido, ergueu as colchas e prendeu a respiração. Estava vazio!
- Achou que iria me pegar desprevenido, ladrão desgraçado! - A voz de William veio por trás.
Ela não teve tempo para reagir. O homem se jogou pesadamente sobre ela, atirando-a para cima da cama e a sufocando com seu peso. Os olhos azuis gélidos se abriram muito ao encontrar os dela.
- Amanda?! Não pode ser! Eu te matei! Tenho certeza disso! Meti uma bala na sua cabeça e a joguei no mar! Não há como ter sobrevivido.
Ela cuspiu na cara dele.
- Pois estou aqui seu imundo! Vim pegar o que é meu!
Ela enfiou a mão no bolso da saia para pegar a pistola, mas ele foi mais rápido. Torceu-lhe o pulso, atirando a arma longe, em seguida a estapeou na face.
- Não tão rápido, vagabunda! Falhei em me livrar de você da primeira vez, agora este erro não se repetirá! Mas primeiro... - Virou-a de costas, prendendo as duas pequenas mãos com apenas uma das suas.
Ergueu-lhe as saias e começou a desatar o laço que prendia sua calça, única peça de roupa que usava.
- Uma última vez, pelos velhos tempos...
Amanda afundou o rosto nos lençóis. Não acreditava no que estava para acontecer. Mais uma vez seria usada pelo monstro! Foi quando ouviu um gemido e de súbito se viu solta. Virou-se para ver que Allister estava ali, esbaforido pelo esforço de pular o muro e subir pelas vinhas. Havia enfiado a espada no ombro esquerdo do William, que se atirou para o canto da sala, pegando também sua lâmina.
- Você! O pirata imundo que foi atrás do pagamento pelo transporte do açúcar. Mas, o que diabos está fazendo aqui!?
- Defendendo minha esposa, seu maldito! - cerrou os olhos. - Eu senti naquele dia em que o vi que algo não estava certo com você. Quando Leonor falou sobre esta ilha eu me recordava de já ter ouvido o nome em algum lugar! O criado fofoqueiro havia dito que William Young era lorde da Ilha Rainha Elizabeth! Nunca poderia imaginar o que você realmente era!
- Leonor? - o homem riu. - Quer dizer Amanda, minha deliciosa priminha? - O homem assumiu posição de guarda. - Parece que temos algo incomum, rato de convés! Ambos nos deliciamos entre as mesmas coxas! Bem, pelo menos fui eu o primeiro!
O rosto de Allister se contorceu em fúria.
- Calado, imbecil! Pelo visto terei de cortar este seu pau nojento e enfia-lo em sua boca, para que pare de falar de minha mulher assim!
Allister atirou-se sobre William, com a espada em riste. Os dois eram exímios esgrimistas e mesmo ferido William representava um oponente perigoso. Amanda observava impotente de cima da cama, nada poderia fazer. Se arrastou para trás, afim de se afastar da linha de batalha. Sua mão tocou algo frio, o punhal. Apertou-o na mão com toda força.

Allister estava se sobrepondo ao rival, encurralando-o na parede e apontando a espada para sua garganta.
- Uma mulher desonrada, acha que ela vale tudo isso? - William perguntou.
- Ela vale a minha vida e muito mais, se quer saber. - Allister respondeu, entre os dentes, ainda apontando a espada para o monstro.
Em um gesto rápido William agarrou a jarra com a água que usava para lavar o rosto e a arremessou contra o corsário, desequilibrando-o.
- Então morra por ela! - o vilão gritou enquanto avançava para cima de Allister.

No momento crítico, quando a ponta da espada de William quase tocava o peito do adversário, Amanda empurrou o primo, caindo sobre ele e desferindo uma, duas, dez punhaladas em seu peito, coberta de ódio. E teria continuado se Allister não a puxasse, abraçando-a.
- Acalma-se meu anjo. Shhh.... - Ele acariciava a cabeça da amada, enquanto pressionava firmemente o pulso pequeno, forçando-a a largar a lâmina ensanguentada.
Ela tremia como um passarinho assustado. Os olhos muito abertos e o rosto delicado manchado com respingos de sangue. Observava o corpo do primo, que jazia imóvel no chão, sobre uma poça crescente de sangue.
Allister segurou seu rosto, obrigando-a a encará-lo.
- Acabou, meu amor. Está tudo bem agora...
Amanda caiu em prantos, numa mistura de alívio e desespero. Ele beijava suavemente suas pálpebras molhadas, enquanto sussurrava palavras doces.

Do Mar(FINALIZADO - Sem Revisão)Where stories live. Discover now