PRÓLOGO

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Subúrbios de Bristol – Férias de Verão

      Bem, acho que minha história começou fadada a ter um fim. Um fim um tanto trágico, tenho de admitir.
      Tudo começou em um dia chuvoso. Era férias, pelo incrível que pareça. Ao contrário dos demais de minha idade, não reclamava. Gostava de não fazer absolutamente nada o dia todo, ao menos não ser obrigado a fazer alguma coisa por minha mãe. Graças à chuva!
     O som rítmico das gotas atingindo o chão me encantava e os respingos na grama atraiam fortemente o meu olhar. Aquilo era unicamente belo e me trazia tamanha paz.
     Eu estava sentado na escadinha da varanda, com um enorme casaco e uma xícara razoavelmente grande de chá nas mãos.
      A calmaria que a chuva me trazia logo fora interrompida pela aproximação de um carro. Um daqueles carros muito chiques, algo nada usual para a minha vizinhança. Não tão fora do comum quanto o trailer do vizinho, mas o suficiente.
      O carro tinha parado na casa ao lado, pelo o que sabia, aquela casa estava para alugar por mais de anos. Moradores novos? Pensei.
     Quando vi um caminhão de mudanças, minha tese tinha se confirmado. Era uma terrível ideia se mudar durante as férias, especialmente se tratando das de verão.
      Um homem de terno saíra do carro, gritando com alguém pelo telefone. Pegou um guarda-chuva no porta-malas e parecia se preparar para conduzir alguém a casa. 
      A porta traseira fora aberta e uma figura feminina adulta com uma criança no colo se revelou, rapidamente sendo protegida da chuva pelo homem.
     – Volto para pegar você depois. – O homem disse, tampando o celular com uma das mãos, para alguém no carro.      
     Fiquei curioso para ver quem era.
Aquelas pessoas tinham o ar de finas, as roupas e até mesmo o jeito de tratar os outros, tal como o homem fazia com alguém pelo telefone.
      Essa estirpe sempre fora a pior, em minha nada humilde opinião. Até hoje tenho esse pensamento.
      Ainda pairava no ar a questão do por que essas pessoas se mudariam para aquela casa. Não que fosse ruim, mas não parecia "adequada"o suficiente para eles.
      O homem havia retornado com o guarda-chuva, pronto para levar quem o aguardava para dentro.
      Uma garota saiu do carro. Suas feições eram imperceptíveis, tanto por conta da chuva como por culpa do homem que tampava minha visão. Mas algo percebi, não me lembro o porquê, mas reparei em algo peculiar: suas meias compridas até os joelhos. Eram azuis com bolinhas vermelhas, elas me agradavam apesar de incomuns.
     – Eu também vou. Não me importo de me molhar um pouco. – Uma voz irrompeu de dentro do carro.  Ao sair, vi que se tratava de um garoto. Era da mesma estatura da menina.
Ambos pareciam ser da minha idade, notei enquanto eles se afastavam.

                              [...]

    Era véspera das voltas às aulas. Dos vizinhos, nada além de sombras e vozes. Pareciam levar uma vida soberba.
    Acordar era a pior parte do dia, acho que praticamente para todo mundo.        Era sempre o mesmo ritual: Lavar o rosto, escovar os dentes e colocar minhas lentes.
    E era sempre naquela mesmice que eu descobria as espinhas. Malditas sejam pelos séculos.
    Toda vez que me olhava no espelho, a palavra "latino" ecoava em minha cabeça de maneira forçada. Apesar de ter nascido no Brasil, não parecia ser de lá, tal como meus pais. Era branco até demais, de olhos azuis e um cabelo loiro-escuro.
     Minha mãe, como vizinha exemplar, tinha levado uma cesta de padaria para os vizinhos novos. Indaguei-a sobre eles e ela parecia de nada saber. Disse-me que a porta foi atendida por um homem sério e rude e que este apenas a agradeceu pelo presente e fechou a porta na cara dela.
     Estava muitíssimo curioso para vê-los de perto, queria ver seus rostos.    Para falar a verdade, sempre que saíam da casa era tudo muito rápido, no prazo de eu conseguir chegar a uma janela para bisbilhotar, já tinham saído.
   Eles nunca paravam em casa. Como se tivesse muita coisa pra fazer na vizinhança. Morar em Bristol não era nada ruim, para falar a verdade. No entanto, a vida escolar não era muito satisfatória, levando em conta o preconceito que alguns tinham sobre minha origem.
   Eu nunca tinha me sentido envergonhado dela, sempre me senti orgulhoso, mesmo que o Brasil nunca foi grande coisa para minha vida. Os que me viam sequer percebiam que eu vinha de lá.
    Tentava ignorar ao máximo essas coisas e me atentava aos verdadeiros amigos. Enquanto olhava a tarde pela janela de meu quarto, recebi uma mensagem de Anne.
    "Rê (assim que me chamavam), vamos sair? Vou chamar o Fred também".
     "Claro, mas só se chamarem Alice e Rupert". Eu adorava sair com todos, evitava ao máximo excluir um deles sequer.
     "Certo, encontra a gente no Monks." O parque perto da escola? Que cafona. Pensei.
       E me arrumei, preparado para o frio se escurecesse. Tentei sair calado, deixando apenas um bilhete na geladeira, mas quem disse que consegui?!
      Indo em direção à porta, saindo da cozinha, eis que surge das sombras minha mãe naquele tom provocativo:
       – Onde pensa que vai?
       – Vou ao Monks, mãe. – Fui rápido ao explicar. – Tenho de ir logo, os outros me esperam, vai ser tipo uma despedida das férias, sabe?
      – Sei. – Ela disse sarcasticamente. – Você vai. Pediu para quem?
     – Ok, ok. Desculpe-me mamãezinha. – A abracei. O charme ideal para conseguir me safar. – Posso?
       Ela sorriu e assentiu com a cabeça. Vendo que eu já estava agasalhado, de nada se preocupou.

A Sombra De MelissaWhere stories live. Discover now