Kai

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"Achei que ele precisasse falar com você." Ouvi meu pai falar. Voltei para a sala e me servi de uma bebida no bar.

"Eu posso falar com ele daqui a pouco. Ele mora no apartamento ao lado." Disse virando o copo.

Minha mãe olhou para a bebida em minhas mãos com o cenho franzido. Pressenti uma repreensão, mas ela estava contente demais com meu "noivo" para falar qualquer coisa. Depois que eles viram o meu vizinho maluco, a visita deles parecia sem sentido e percebi que eles haviam notado esse fato.

Mesmo morando sozinho, eu não tinha conseguido fugir das vontades dos meus pais. Tinha me tornado policial do FBI por causa do meu pai que se sentia obrigado a empurrar o filho para a mesma carreira que ele seguira. Até que nem era tão ruim e eu gostava da adrenalina do trabalho. O problema era que agora o meu pai estava me empurrando para um caso mais sério e eu sabia que a intenção dele era garantir para mim um posto elevado lá dentro.

Já a minha mãe o acompanhava para me lembrar que eu já tinha 27 anos e que mesmo assim, ela não conseguia enxergar um genro quando pensava em meu futuro. Os dois sempre me lembravam discretamente do quão incrível era o meu irmão recém-casado e com uma carreira promissora na divisão de narcóticos.

Os dois só foram embora depois que eu prometi ao meu pai participar do caso que ele queria. Quando a porta se fechou, servi mais um copo e me preparei para lidar com a confusão que eu mesmo tinha criado. Suspirei cansado e saí para o corredor. Parei em frente ao 8D observando os vasinhos de planta decorados que enfeitavam a entrada. Bati na porta e esperei que ele viesse abri-la. Resisti à vontade de me esconder com medo de outro balde de boas vindas. Ele abriu uma fresta da porta que continuava fechada com a corrente de segurança. Quando viu que era eu, disse "hm" e abriu a porta.

Passei por ele e tomei um choque de aconchego ao ver o apartamento. Tudo lá era extremamente do tipo "casa-de-moça-de-família." E por Deus, que esse baixinho nunca sonhe que pensei isso a respeito de seu lar.

Tinha plantinhas bem cuidadas na janela e em outros lugares, tapetes bordados, panos de artesanato e um cheiro de casa limpa que fez eu me sentir culpado por invadir aquele santuário.

"Pode começar a falar." Ele disse atrás de mim.

Virei e risquei o adjetivo inocente que eu firmemente mantinha em minha cabeça ao ver a faca que ele segurava e apontava em minha direção. Ele apontou o sofá e eu me sentei tenso sabendo que seria difícil explicar. Ele puxou uma cadeira e se sentou na minha frente largando a faca sobre a mesa.

"Então," Ele começou "sabia que você me fez perder uma prova hoje?"

Aquilo trouxe uma pontada de culpa ao me lembrar do que fizera pela manhã. Ignorei o sentimento e me lembrei do que ele fizera na noite anterior. Meus amigos ririam de mim até o final da vida.

"Meu carpete ainda está azul." Eu disse em minha defesa.

"Meu chão também está rosado, mas eu não fiz você perder seis meses de trabalho duro e noites mal dormidas."

Ele disse e eu relancei os olhos para entrada vendo que o chão estava mesmo rosado. A culpa veio de novo e um pouco mais forte. Passei as mãos no cabelo e tentei fazer um olhar de cachorro pidão. Deve ter funcionado porque ele pareceu relaxar só um pouco.

"Olha," Eu disse e esfreguei as mãos no joelho. Fazia tempo que eu me sentia tão nervoso assim com um homem, que na verdade me lembrava mais um adolescente, "nós começamos da maneira errada. Eu acho que a gente podia tentar recomeçar de um jeito mais ameno."

"Por que seus pais acham que eu sou seu noivo?" Ele perguntou direto e eu percebi que começar de novo seria difícil.

"Talvez porque eu tenha deixado eles pensarem assim." Disse dando de ombros e o olhei nos olhos. Ele desviou o olhar, como eu esperava que fizesse, e isso me deu um pouco de esperança. "Eu tenho uma proposta para você."

O VizinhoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora