A carta

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Joana teve a sensação de sentir arrepiar a espinha. Mas que diabos era isso? E quem havia enviado?

Ela abaixou-se e pôde-se escutar umas três ou quatro costelas estalando. Pegou o envelope branco. Não tinha remetente, apenas seu nome escrito em letra cursiva, do tipo que as pessoas só escreviam nos antigos convites de casamento: "Joana Silvestre." 

Por um momento, Joana riu. Será que dentro do envelope vai estar perguntando "Quem é você?" Será que esse "amigo misterioso" é na verdade um filósofo que quer dar umas aulas de filosofia para mim? Ih, acho que alguém leu demais "O mundo de Sofia". 

Depois de debochar da carta deixou-a sobre a mesa. Com a promessa de não abri-la. "Se não quis dizer quem é, não merece atenção." 

E assim, ela tentou ignorar a carta o dia inteiro, até que a noite a curiosidade venceu o orgulho e ela decidiu abrir a carta. Era uma carta bem grande, escrita à mão com tinta preta (daquelas molhadas) e com uma letra belíssima, bem redondinha de traçado firme. Joana encantou-se com a caligrafia e teve a sensação de já tê-la visto antes...

Ela sentou no sofá e começou a ler a carta que dizia:

15 de Março de 2016, 

Querida, Joana. 

Percebi que você não leu mais meus e-mails e sei que teve motivo para isso. Embora seus motivos tenham sido bobos e infantis. 

Sinto muito pelo seu emprego, mesmo! Você deve estar se sentindo mal, você nunca gostou que as coisas fugissem do controle. 

Se bem te conheço você nem deve estar saindo de casa, deve ficar o dia inteiro de pijama/ou roupa íntima, comendo sorvete e assistindo Bridget Jones (Sério, você nunca vai cansar deste filme?). 

E para quê? Dificuldades na vida todos passamos, mas sofrer é opcional. 

Pense bem: talvez essa demissão é um sinal. 

Um sinal de que você não tem feito as coisas do modo certo. 

Seja sincera consigo mesma: Você estava feliz neste emprego? Ele realmente era tudo o que você tinha sonhado? Ele te dava satisfação ou só dinheiro?

Reflita. 

Agora já deu, né? Chega de sofrer! Tira esse pijama ridículo, penteia esse cabelo (e pelo amor de Deus , escova esses dentes!). 

Acaba com esse luto ridículo e vá viver! Tome um banho, vista uma roupa bonita, dê uma volta pelo bairro. Você conhece o bairro que você mora há tantos anos? Pois é. Acho que está na hora. Depois você pensa em um novo emprego, pare de pensar em dinheiro e pense um pouco em você. 

Eu espero que depois desta lição de moral, você tenha lembrado quem eu sou. Se sim, lhe dou uma dica: ainda tenho o mesmo número do celular. 

Abraço, sinto muito a sua falta. 

Um amigo. 

Por mais que tentasse Joana não conseguia pensar em ninguém que se encaixasse como autor de todas as mensagens que vinha recebendo nos últimos dias. Era como se ela tivesse bloqueado qualquer coisa que lembrasse o seu passado...

Ela correu para o computador e sua caixa de entrada estava lotada de mensagens dele. Leu uma a uma. Ele perguntava se ela estava bem, dava conselhos, perguntava se ela tinha reconhecido sua escrita, se o "luto" tinha acabado, entre tantas outras coisas. Joana ficou até meia-noite lendo tudo. 

Era estranho, mas aquele "desconhecido amigo" havia conseguido lhe tirar da fossa. Tudo que ela queria agora era lembrar quem ele (ou quem sabe ela?) era. Quando ela tinha saído lá do interior do Paraná, tudo que queria era apagar o passado e todas as pessoas que fizeram parte dele. Ela não carregou nenhuma foto, ou qualquer outra coisa que a lembrasse daquele lugar. 

Ela decidiu que iria seguir o conselho deste misterioso estranho e iria recomeçar, nem que fosse devagar. Chega de sofrer! Chega de chorar e reclamar. Hora de agir. 

E decidiu fazer tudo diferente desta vez, agora ela iria com mais calma. Ou pelo menos tentaria fazer assim. 

Foi dormir, mas com a ideia fixa de que o dia seguinte seria "um novo e excelente dia." 

Pousou a carta no criado mudo que estava ao lado da cama e adormeceu. 

Nova vida, velhos sonhosWhere stories live. Discover now