E pintou-se o amor com as cores dos fogos de artifício I

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"Já era amor antes de ser."
— Clarice Lispector
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As ondas quebravam em ritmo ás batidas do meu coração. O vento acompanhava minha respiração e a brisa serena do mar bagunçava meus cachos naturais, leves e sem volume. O vestido branco e fino balançava enquanto eu olhava o sol se pôr.

Depois de tantos anos vindo aqui, acostumei-me com o ritual certeiro de ano novo. A maré subia, a areia cobria os dedos do meu pé e a noite esquentava. O luar substituía a luz do sol e quando o relógio badalasse á meia-noite em ponto, os fogos subiriam até a escuridão e iluminariam o céu.

Para falar a verdade o ritual não era esse. Não para minha família festeira e divertida. Eu os amava, mas era bem diferente de todos aqueles que acreditava ter o mesmo DNA que o meu.

Todo ano no dia 26 de Dezembro, minha família viaja para a casa dos meus tios, que fica na Austrália, para passar a virada. Para ser mais específica, Sidney. E como dizia a velha tradição da família Rodrigues: Ano novo sem festa é igual a Natal sem Peru, sem graça.

De qualquer forma, meu tio, rico que só, dava uma festa chamada Luau Para Aqueles de Branco. Era uma festa maravilhosa, divertida e gostosa quando se tratava de comidas e principalmente sobremesas. Essa tal diversão no último dia do ano era grátis e aberta para a cidade toda. Todos os tipos de pessoas que você possa imaginar estavam lá, dançando na pista de dança do maior salão da comunidade, que ficava ao lado da praia. E eu como a diferente e recatada da família, preferia observar o sol se pôr e os fogos se acenderem ao modo antigo, longe de toda a folia e janelas de vidro que nos separavam do mundo de fora, beirando o mar.

Bem, eu gostava da brisa que mexia com meus cabelos e com a roupa branca.

Hoje meu look era bem diferente de todos os anos. Um vestido simples, branco e curto, nem tão justo e que dava o ar de simplicidade. Prendi algumas flores brancas pequenas por todo o meu cabelo e amarrei uma tornozeleira de corações pratas ao meu pé, pois minha mãe dizia que dava sorte. Quem sabe uma dessas tradições não fosse verdadeira?

Olhei para a festa que se desenrolava dentro do grande salão. As pessoas vestiam peças caras e elegantes, se diferenciando bastante do povo mais simples da cidade. Lembra quando eu disse que todos os tipos de pessoas estavam nessa festa?

Era mentira.

A população que muito pouco tinha, não participava das festas que meu tio montava e nem desfrutava das comidas maravilhosas que minha tia preparava. Não porque meu tio proíbia, longe disso. Os trajes eram um problema.

Se você está se perguntando que tipo de festa descrimina as pessoas por causa de roupa, eu te conto como é que funciona: minha família faz parte da elite. Todo mundo é rico, todo mundo pode, todo mundo se acha. Com exceção de alguns, como eu e meu primo Lucas. Falando a verdade, Lucas nem parece ser da família, tanto que ele está aqui com sua namorada mais porque sua mãe o obrigou do que por vontade, com seus cabelos ruivos rebeldes destacando a roupa branca. Mas ele parece contente com a garota nova. Ela tem nome de doce!

Continuei olhando, tendo uma certa noção de quem era quem. Depois de quatro anos participando dessa alegria toda, eu consegui guardar alguns nomes.

Por exemplo, a Célia. Ela era gerente de um banco e todos em sua família tinham os olhos escuros como a noite. O Sr. Tomisson era um empresário bastante famoso e seus quatro filhos eram de tirar o fôlego: todos loiros, altos e de olhos claros. Nunca me interessei em saber muito sobre eles, mas tinha um que eu vivia namorando com os olhos. O sorriso dele me dava cócegas na barriga.

Mar, doce mar. [Completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora