Antes que pudesse prever algo, ele agarrou uma das maçãs podres ao seu lado e jogou nela.

– Bruxa, Bruxa – uma enxurrada de maçãs veio sua direção, o que a fez proteger a cabeça com o braço direito – Saia daqui, sua bruxa!

Os gritos se transformaram em engasgos e quando se deu conta, Ayla estava banhada de sangue.

Ela encarou a figura encapuzada, sem entender o que havia acontecido, até que notou o facão dourado maculado de vermelho em suas mãos. Sangue fresco pingava formando uma pequena poça na areia. E os gritos agoniados do velho pareciam dançar uma balada sinistra com o vento.

A raiva pulsou no coração de Ayla. Ela não pretendia perder tempo com um mendigo estúpido, mas não fazia mal às pessoas caso não fosse estritamente necessário. Não gostava de violência gratuita, banshees tinham mais classe do que isso.

– O que diabos você acha que está fazendo? – ela cerrou os punhos. Poderia matar aquela pessoa ali mesmo se não precisasse dela.

– Não é como dizem? – uma voz feminina pôde ser ouvida através do capuz. A mulher misteriosa limpou o facão na própria túnica e deixou uma risadinha debochada escapar – Ver uma banshee é um presságio de morte.

– Maldita – Ayla disse entre dentes.

A mulher riu novamente e voltou a andar, enquanto balançava sua arma de um lado para o outro. A banshee hesitou antes de segui-la, porém não viu outra opção. Só desejava que chegassem logo ao seu destino para que assim pudesse seguir sozinha novamente. As duas caminharam lado a lado em silêncio, deixando para trás os gritos agoniantes do idoso.

Ao longo da caminhada, a aparência da cidade foi melhorando. Camelos gordos dormiam do lado de fora de enormes casas douradas; fontes se espalhavam por todo lugar – sugando as águas dos lençóis freáticos que se escondiam debaixo da areia –, onde pássaros-bolha paravam, mesmo na madrugada, para matar a sede; lojas de todos os tipos se erguiam sobre a areia, imponentes, e um aroma doce invadia as narinas de Ayla.

Era difícil acreditar que este era o mesmo reino em que se encontravam alguns minutos atrás.

– Incrível, não é? – a mulher encapuzada sussurrou, parecendo ler seus pensamentos – Essa é a parte nobre do reino. O grande Rei Egipto. Ajuda todos seus súditos, desde que eles tenham algo para dar em troca.

Ela apontou o facão ensanguentado para uma das fontes que jorravam água.

– No caso, esta região é a que possui água – Ayla permaneceu em silêncio. Cada palavra da mulher parecia carregado de rancor – Há alguns anos houve uma revolta. Alguns donos de terra reivindicaram o direito sobre a água. Nosso querido rei ficou com medo, sabe, eles são realmente poderosos. Ele ofereceu tudo do bom e do melhor para voltar a ter acesso a ela.

A banshee não precisava terminar de ouvir para saber o que aconteceu depois. Quem tinha água controlava qualquer lugar do Mundo de Areia, era um fato que ela observou desde a primeira vez que pisou naquelas terras.

– Isso pouco me importa – ela respondeu secamente – Quando chegaremos ao templo?

– Não vai demorar agora – e calou-se.

Ela tinha razão. Alguns metros mais tarde, as duas chegaram aos limites do reino. Ali não havia mendigos, animais ou prédios, apenas altas dunas de areia e um grande templo de ouro.

Escondidas entre as dunas, elas observaram os soldavam que guardavam a entrada do templo. Eram apenas dois, como haviam lhe prometido que seria. Aquilo seria fácil, ela sabia exatamente o que fazer. Só esperava que o jeito extravagante de agir da mulher ao seu lado não colocasse tudo a perder.

– O que foi? – a estranha desviou seu olhar dos soldados – Está com medo?

– Não, – Ayla levantou-se – Só fique aqui, você faz muito estrago.

Não tinha como saber realmente, mas alguma coisa dentro da banshee dizia que a mulher ainda debochava dela, mesmo calada. Contudo, agradeceu mentalmente por ela lhe obedecer.

Ayla aproximou-se do templo com a confiança que podia ser vista em poucas mulheres ao se aproximarem de homens armados. Os dois soldados pareciam sonolentos, mas não demoraram para notá-la e levantarem suas espadas.

– Qual o seu nome? – um deles gritou.

Ela não respondeu.

– Seu nome! – o outro repetiu.

Os rostos contorcidos de raiva se desmancharam no momento em que conseguiram enxergar Ayla por completo. Ela sabia que seus cabelos cor de fogo assustavam ainda mais que o sangue em suas roupas, e era exatamente isso que ela queria.

Continuou caminhando calmamente, observando o desespero nos olhos dos soldados no momento em que perceberam que não conseguiam mais se mover. Um meio sorriso surgiu em seu rosto. Era dessa forma que gostava de fazer as coisas.

Os olhos do primeiro que ela se aproximou eram de um castanho brilhante, mas que se apagavam por conta da pele morena avermelhada. Ela pousou a palma da mão direita na bochecha dele e fechou os olhos. Salim era seu nome. Um homem viúvo que tinha dois filhos para alimentar. Mas aquilo não era de sua conta.

Com um simples impulso para frente, a banshee pousou seus lábios no dele, obrigando-o abri-los com a língua. Esses beijos nunca eram fisicamente satisfatórios, obviamente, o outro não podia correspondê-los – ou impedi-lo – mas seu peito explodia de energia, enquanto explorava a boca do homem.

Era tão fácil deixá-los impotentes, sem vitalidade. Gostava daquilo.

O corpo de Salim amoleceu em seus braços e os olhos castanhos se fecharam para sempre.

Ela voltou-se para o outro, mais jovem. Podia ver as gostas de suor percorrendo sua testa e a tensão tomando conta de todos os músculos do corpo. Era um homem bonito, cabelos castanhos caiam sobre grandes olhos encantadoramente azuis. Não como os dela, pálidos, mas uma cor viva e reluzente.

Deixando escapar uma risadinha maliciosa de seus lábios, ela seguiu em frente, subindo os degraus dourados do templo. Aquele soldado mal sabia que seus olhos o haviam salvado.

A porta do tal templo era totalmente ornamentada com pequenos redemoinhos de pedrinhas vermelhas e brilhantes. Apesar de sua altura descomunal, não foi difícil abri-la. A claridade do lado de dentro a cegou, fazendo-a proteger os olhos com os braços. Contudo, estes se arregalaram repentinamente no mesmo momento em que se acostumou com ela.

Uma enorme gaiola no centro do templo abrigava um pássaro dourado, que abria as asas brilhantes e gritava de maneira inquieta, seu bico escarlate apontado para cima. Era muito mais belo do que qualquer ser vivo seria capaz de descrever. Mesmo com a ardência que envolvia seus olhos, Ayla não hesitou em aproximar-se do animal.

Quanto menor a distância, mais agudas se tornavam suas lamúrias. Porém, os ouvidos de uma banshee eram mais resistentes que aquilo. Ela colocou as mãos dentro da gaiola de ferro, esperando levar bicadas violentas. Porém os gritos do pássaro apenas se transformaram em uma espécie de choro dolorido.

Ayla acariciou as penas vermelhas e douradas abaixo da asa, tentando acalmá-la. O corpo da ave emitia uma luz própria, que dançava por todo o templo em conformidade com suas lamentações. Era tão lindo quanto triste de se ver.

Era ela: a Fênix Dourada, O Coração de Aurum. Finalmente a havia encontrado.

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⏰ Última atualização: Oct 08, 2016 ⏰

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A PEDRA DE SAFIRA #1: O Roubo da Fênix DouradaOnde histórias criam vida. Descubra agora