Com a cabeça na lua

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Todo mundo sabia que o Sr. Tayerle odiava atrasos mais do que qualquer outro vício acadêmico. Afinal de contas, ele era um cientista e o modo rígido com que caminhava, falava e avaliava nossos relatórios sempre me dava a impressão de que toda sua vida funcionava como um relógio. Por isso fiquei preocupada no dia seguinte, quando, dez minutos após ter começado a aula de Tayerle sobre astronomia, Chris entrou na sala. Não entrou em silêncio nem com um sorriso de desculpas, como eu teria feito. Em vez disso, entrou pela porta de supetão e parou lá por um momento, olhando em volta enquanto recuperava o fôlego.

Ih ! Aí vem coisa — sussurrou Lucy, de sua carteira, que ficava próxima da minha. Como ela adorava um bom escândalo, encostou-se na cadeira para poder apreciar melhor o desenrolar dos acontecimentos, com um sorriso no rosto.

Ih ! É mesmo — sussurrei, concordando.

Chris parecia estar usando a mesma calça Levi's rasgada e as botas Doc Martens gastas que usara no dia anterior. Somente a camiseta azul-marinho era diferente. Eu, ao contrário, levara horas me arrumando para ir à escola naquela manhã. Experimentara uma polaina comprida preta, uma minissaia roxo-clara e o macacão de brim desbotado antes de me decidir pelo meu jeans preferido e um suéter azul com listas em relevo. Não sei bem por que, toda vez que me lembrava do meu nome escrito no caderno de Chris, voltava ao guarda-roupa. Pelo que pude notar, Chris não passara pela mesma aflição que eu. Lucy e eu não éramos as únicas que estavam observando. A classe inteira olhava em silêncio, curiosa em saber que desculpa Chris daria pelo seu atraso e qual seria a reação do professor Tayerle. Nesse momento Chris viu o móbile representando o universo que o professor havia exposto. Ele bateu a mão no peito e fingiu estar caindo para trás pelo vão da porta, segurando no beiral para se apoiar.

Alguém fez o mundo parar de girar — disse ele. — Quero sair.

Receio que você vá ser meu prisioneiro pelos próximos quarenta minutos — disse Tayerle, sério, enquanto desviava o olhar de Chris para o relógio da parede.

Engraçado você ter mencionado a palavra girar — acrescentou ele, sem o menor sinal de humor na voz.

Hoje vamos falar sobre as órbitas dos planetas, se você fizer o favor de ir para seu lugar.

Lega ! — exclamou Chris. Quando passou perto do móbile, ele estendeu a mão e girou os anéis de Saturno. Chris sempre fazia perguntas interessantes durante as aulas e não tinha receio de discordar dos professores. Por isso, ele podia se dar à liberdade de fazer coisas que ninguém mais ousaria. Se Tayerle fosse o tipo de professor que desse nota de participação, Chris seria o melhor aluno de classe. Mas, da forma que era, Rick tirava notas melhores do às dele. É por essa razão que, enquanto Chris fazia pouco caso de Tayerle, Rick estava anotando com cuidado casa palavra que o professor dizia.

Na prática, Rick era um tomador de notas profissional com toda a experiência que adquirira redigindo textos para o Thunder. As páginas de seu caderno eram tão abarrotadas que era provável que não houvesse espaço para rabiscos tolos, e muito menos para o nome de uma garota. Na realidade, ele era tão aplicado que não me surpreenderia se tivesse anotado o que aconteceu em seguida: Chris caminhou devagar pelo corredor e deixou um bilhete na minha carteira.

Senhor Shepherd — disse Tayerle, agitando a mão estendida —, não pense que não vi o bilhete que você acabou de entregar a senhorita Wyse. Quero acreditar que seu conteúdo seja sobre suas ponderações sobre astronomia, mas tenho a impressão de que sua mente está ocupada com outros assuntos esta manhã.

Mas, senhor Tayerle — começou a argumentar Chris, pegando o bilhete na minha carteira e entregando-o ao professor —, como uma pessoa pode saber algo sobre o universo sem antes conhecer seu coração?

Meu primeiro namoradoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora