O Bosque dos Ipês

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— Você quem me trouxe de novo, não foi? – perguntou ela em tom baixo e sereno.

— Sim – a voz dele parecia uma oitava mais baixa.

— Como consegue fazer isso? – perguntou entre curiosa e desconfiada.

— Ora, não sou o seu anjo? – sua resposta foi divertida e um sorriso travesso podia ser visto em seus lábios.

— Ah, sim! Claro – era possível captar a ironia em sua voz — Por que não retira o manto?

O rapaz se moveu apenas um passo, mas se manteve sob a sombra do ipê rosa. Por um momento ele olhou para o céu, como se ponderasse a respeito de algo importante e só depois do que para Nynna foram longos minutos, é que abaixou o capuz, revelando os cabelos ruivos. O tecido foi ao chão, acomodando-se sobre a grama verdinha, enquanto ela admirava aquele que sempre lhe foi agradável aos olhos... O porte atlético, os ombros largos, os lábios carnudos e aquelas duas esferas cor de ouro que pareciam ver sua alma!

— Você é um anjo mesmo? – indagou Nynna ao chegar um pouco mais perto.

— Quer que eu lhe mostre minhas asas? – ele deu um sorriso.

— Anjos caídos também têm asas... – respondeu, sentindo que a força do vento aumentou.

— Sábias palavras, Nynna.

Um longo silêncio se instalou entre eles e só era possível ouvir o som do vento passando pelas copas dos ipês, que balançavam de um lado para o outro. Várias flores se desprenderam dos galhos, caindo suavemente sobre os dois em uma dança coreografada e quando Nynna se deu conta, ele estava a centímetros dela. Antes que pudesse falar qualquer coisa, o ruivo a abraçou apertado como alguém que não via um ente querido há muitos anos.

— Ceice...?

— Shh...

Ela se calou e permitiu que os braços dele permanecessem envolvendo seu corpo. O contato era agradável e reconfortante e Nynna teve a impressão de que já sentiu isso há muito tempo! Logo os dedos dele acariciavam seus cabelos, soltando-os e os fazendo cair como uma cascata sobre suas costas e ao fitar os olhos dourados se perdeu em seu enigmático brilho, que parecia mesclar sabedoria, vivência, determinação e algo mais que não sabia definir.

— Seus olhos não estão mais cobertos por um véu... Agora você já sabe a verdade, não é? – o ruivo indagou gentil.

— Sim, Ceice. Agora eu sei o que se esconde na escuridão... – Nynna continuou mergulhada em seus orbes dourados.

Ao longe, nuvens negras foram se juntando, formando uma tempestade, que logo se manifestou na forma de raios e trovões, aproximando-se em fúria do Bosque dos Ipês, como se fosse uma entidade consciente e nem um pouco satisfeita. Os dois suspiraram em uníssono, sem alarde pelo que acontecia naquele lugar que até então parecia parte de um pequeno paraíso particular. Em um movimento fluido, Ceice se afastou e se ajoelhou na grama perante Nynna, juntando as mãos, que começaram a brilhar... E então uma pena se materializou entre seus dedos.

— Pegue. Isso me deixará mais próximo de ti – sussurrou, olhando-a intensamente.

Nynna sentiu a tempestade e os raios cada vez mais próximos, fazendo seus cabelos e vestidos esvoaçarem, e sem esperar nem mais um segundo, pegou a pena e no mesmo instante tudo desapareceu em um clarão.

ooo

A jovem abriu seus olhos mel, piscando repetidas vezes até se acostumar à escuridão do quarto, de modo que conseguia identificar o contorno dos móveis. Após um longo suspiro, ela se sentou, mas permaneceu no escuro, as lembranças do Bosque dos Ipês lhe invadindo a mente com riqueza de detalhes... Cada flor em suas variadas cores... o cheiro de rosas... o perfume amadeirado que vinha dele! E, claro, a tempestade que, como sempre, a tirava daquele lugar que lhe trazia sentimentos nostálgicos, porém agradáveis.

Nynna olhou as horas no celular e viu que já era uma da manhã... e ela tinha perdido todo o sono. Resmungando, a ruiva se levantou da cama e acendeu a luz, em seguida abriu o armário e retirou de lá uma calça preta e blusa sem manga vermelha, trocando de roupa em apenas alguns minutos e finalizou colocando botas de cano baixo. Sabia que não conseguiria dormir de novo, então decidiu dar uma volta pela cidade... Apenas andar pelas ruas desertas. Só precisava disso para espantar a frustração.

Trinta minutos depois, já estava no centro de Belo Horizonte, descendo do ônibus. Seus longos cabelos ruivos balançaram com a ação do vento e sem pressa ela caminhou pela Avenida Amazonas até chegar a Praça Sete de Setembro. Tudo estava fechado devido ao feriado de Natal... Todos estavam com suas famílias comemorando, mas foi uma decisão dela ficar em casa, enquanto os outros viajavam para ver alguns parentes no interior.

Muitas coisas tinham acontecido nas últimas semanas e ela precisava pensar com calma em tudo relacionado à sua inusitada descoberta. O mundo não era como acreditava... Eles existiam. Os vampiros, os espectros e uma variedade imensa de demônios, desde os pequenos e asquerosos até aqueles que quase podiam se passar por humanos e, claro, os anjos caídos. E ela no meio disso tudo, agraciada e amaldiçoada com um poder que nunca quis. Ou será que no fundo, no fundo, sempre desejou?

Ao sair de seu devaneio, a ruiva se deu conta de que caminhava por uma deserta Avenida Afonso Pena, na direção da Rodoviária, onde tudo tinha começado. Não demorou muito para notá-los... Escondidos nas sombras e se movendo sorrateiramente, havia um pequeno grupo de criaturas deformadas, que a fazia se lembrar de mutantes do filme "Resident Evil – O Hóspede Maldito", com garras, músculos avermelhados, dentes afiados e olhos amarelados assustadores. Existia com eles um humanoide, que aparentemente os controlava, mas ela tinha suas dúvidas... Talvez fosse apenas uma cooperação.

"Mas esse tipo bestial faz parcerias?" – ela ergueu uma sobrancelha, pensativa. Nessas horas é que gostaria de ter mais informações sobre o "lado negro da força". O trocadilho a fez rir e foi com um sorrisinho divertido nos lábios que as criaturas a viram.

O homem de pele pálida tal qual um cadáver e olhos brilhantes como rubis a olhou com intensidade... e ódio. As criaturas que o acompanhava grunhiram em direção a ela e a visão deles era realmente desagradável!

Nynna fechou os punhos e manteve os olhos fixos naquelas criaturas das trevas, vendo-os começar a atravessar a primeira pista da avenida. O vento fez seus cabelos esvoaçar e alguns fios caíram em seus olhos e embora isso a incomodasse um pouco, não se moveu nem mesmo um milímetro, pois sabia que qualquer descuido poderia ser o último.

Em um movimento rápido, um dos "cães do inferno" saltou em direção a ela e Nynna ergueu a mão direita, que brilhou e, em segundos, a criatura estava em chamas, grunhindo e gritando enquanto seu corpo se incinerava e derretia como se tivesse caído na caldeira de um vulcão! O homem cadavérico ficou surpreso, mas antes que pudesse reagir, os outros demônios deformados atacaram em uma velocidade sobre-humana.

Nynna colocou os braços na frente do corpo em um movimento defensivo, sentindo o coração falhar uma batida com a iminência da morte... e todo o seu corpo foi envolvido em uma aura dourada... incandescente. Uma onda de calor intenso os jogou para trás e os gritos horríveis deles invadiram seus ouvidos, fazendo-a olhar surpresa para os monstros que se contorciam de dor por causa das queimaduras.

"O que foi isso?" – ela piscou sem entender.

O som de risadas chamou a atenção da ruiva, que viu, mais adiante, um grupo de amigos, provavelmente de jovens, indo ou chegando de alguma balada talvez... e ela desejou estar em outro local para não envolvê-los. Embora aquelas pessoas não pudessem ver as criaturas horripilantes, as mesmas ainda podiam feri-las e matá-las e Nynna não estava disposta a ver ninguém esquartejado.

"O que eu faço?" – perguntou-se aflita, sentindo algo em seu peito aquecer, mas aquele calor não vinha dela.

Ao olhar para frente, percebeu que os "cães infernais" estavam desorientados com alguma coisa e o homem que a fazia se lembrar de um cadáver rosnou, mostrando-lhe os dentes de vampiro e então ele também se assustou. A realidade ao redor deles começou a mudar... No princípio parecia com ondulações que se formam e se propagam pela superfície da água quando uma pedra caía em sua face e então pequenas flores, das mais variadas cores começaram a cair, tornando aquele um momento completamente surreal.


(Fim da Amostra)

*PS: Os personagens deste conto fazem parte de um livro que em breve será lançado aqui no Wattpad.

O Bosque dos IpêsWhere stories live. Discover now