Thrar ouve

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O som da pedra atingindo a água, trazia uma sensação de conforto que Thrar nunca achou que sentiria na vida. Estava ali há mais tempo do que conseguia recordar, talvez menos... Na verdade, não importava mais.

Sua visão ficava cada vez menos eficaz na escuridão total. Porém outros sentidos aguçaram.

Podia ouvir Dhror, seu Irmão de Suor, voltando do Túnel Sul mesmo há metros de distância.

Diferenciava o aroma dos minérios nas paredes escavadas de Chifre Torto, com a mesma facilidade que sentia o quão áspera estava sua barba coberta de fuligem, poeira e lágrimas secas. Na boca, o gosto de fome, sujeira e sangue seco.

Os dedos endurecidos encontraram mais um pequeno pedaço de pedra, pontiagudo, irregular, pesado. Com um movimento leve lançou a pedra em direção ao abismo invisível à sua frente. Um som parecido com o leve roçar de folhas soou e depois fez-se o mais absoluto silêncio.

Após o tempo de três respirações a água gemeu, balbuciando um lamento cansado e fantasmagórico. Era como se a própria lágrima de Koorshu, a Deusa-Sem-Tranças, caísse no Poço de Lugaralgum.

Thrar sentira um espasmo percorrer a garganta e uma tosse chegara até a boca.

Suas costas doeram, seus músculos queimaram. Sua pele estremeceu e novas lágrimas abriram caminho pela fuligem e poeira agarrada às bochechas do anão.

Um cheiro acre invadiu suas narinas. A mão que tentara impedir o avanço da tosse ficara molhada de sangue.

Se ao menos tivesse visto a coluna de sustentação, teria percebido o perigo iminente. Quando o Túnel Serpenteante estremeceu, ele não acreditou no que estava vendo e sentindo. O estado de estarrecimento fora tão grande que Thrar só conseguiu correr na direção da luz. Nunca, em seus 111 anos, poderia imaginar que uma das Maravilhas do Patriarcado Koor, pudesse vir abaixo, se não fosse por forças divinas.

Seria alguma profecia nunca ouvida?

Não. Algum cyfarwydd deveria ter narrado, em alguma taverna nos Salões de Mercado.

- E quem garante que não foi... DITO?

Thrar olhou para trás ao ouvir um sussurro e viu um vulto. Seria Caym? Podia jurar que ouviu alguém.

- Está aí, irmão? Caym?

Era apenas o débil bruxulear da última tocha acesa. Sua garganta arranhou e ele se lembrou.

Um pouco de luz em troca de oxigênio.

Decidiram entre os três. Dois votos contra um.

O mais engraçado era que ele mesmo não lembrava qual havia sido sua escolha.

Escolhas. Algo cada vez mais escasso dentro da Mina.

- Pouco ar, para muitos pulmões.

Essa era a frase preferida de seu pai. A máxima do engenheiro de túneis por quase seis séculos.

Havia outra frase, é verdade, mas sempre dentro da mesma problemática.

- Muitos anões em um só túnel, muitos problemas em um só pulmão.

Ali, presos, debaixo da Montanha Kamyyr, eles eram três. Thrar, Dhror e Caym.

Os outros cincos, eram dolorosas lembranças. Lembranças que atingiam seus olhos com fúria e apenas lágrimas eram capazes de aplacar a dor.

- Caym... Por favor, APAREÇA!

O grito saiu forte da garganta machucada. Uma série de espasmos e uma tosse forte tomou conta do anão, até que adormeceu, totalmente esgotado.

- Caym... Por favor, APAREÇA!

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