Um

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Para Angus, as noite já há muito se revelavam ser longas e rotineiras. Saía de casa quando o Sol se punha e chegava um pouco depois dele romper as nuvens densas, que se espalhavam pelo matinal céu cinzento.

Caminhava sempre a passo lento, mirando e observando. As pessoas não lhe diziam nada e os espaços eram sempre os mesmos. Os sapatos colavam-se ao chão e os olhos pesavam-lhe como duas âncoras, enquanto a cabeça suplicava por um segundo de descanso dos pensamentos tóxicos que a atravessavam.

O cheiro a tabaco, que se alojava na roupa, quase como entranhado, saltitava de pessoa em pessoa, incitando pensamentos promíscuos e maldosos. E Angus quase desejava que todos aqueles olhares significassem qualquer coisa – que alguma coisa fosse suficientemente importante para o incomodar.

Desaparecido no meio dos raciocínios subconscientes, entrou pela pastelaria da esquina, parou e mirou as redondezas, sem realmente prestar atenção ao que quer que fosse. Dirigiu-se ao balcão e deixou-se cair no banco em frente à caixa. Posou o rosto na mão e fechou os olhos durante um segundo – que foi o que bastasse para a sua mente viajar para longe.

"Bom dia?" Uma voz feminina anunciou, num registo interrogativo.

A atenção de Angus foi arrastada de volta à realidade. Com um erguer de cabeça, vislumbrou a rapariga de cabelos negros de relance, um instante antes de lhe sorrir com uma doçura longe de verdadeira.

"Olá!" O cérebro repreendeu o tom de voz. "Quero um café, se fazes favor."

A moça assentiu, serviu-lhe o café – com toda a simpatia de uma típica empregada de mesa – e virou costas, grudando olhos com o livro que tivera que abandonar, anteriormente. Aquela pessoa, tal como todas as outras, não lhe interessava. Era somente mais um dos muitos clientes com que tinha que interagir diariamente.

Nesse aspecto, em exclusivo, Angus e Flora eram semelhantes – já nada lhe suscitava o mínimo interesse, já nada lhes acordava as borboletas do estômago ou fazia palpitar o coração. Os dias eram só dias, e as pessoas eram só pessoas, e as situações eram só situações.

Numa perspectiva dissemelhante, Angus era facilmente comido pela curiosidade, pela necessidade de arrastar a toxicidade que residia em si para dentro dos outros. Sempre encontrou prazer em espalhar a sua doença pelos mais saudáveis; a doença que ele sabia poder-se conter apenas através da simplicidade de um toque.

"Como te chamas?"

Flora ponderou entre ignorá-lo ou responder-lhe. E acabou decidindo por metade.

"Desculpa?" Fingiu-se desentendida.

"O teu nome." Repetiu, projectando um sorriso característico, um sorriso que dizia tudo aquilo que não deveria dizer.

"O que tem?"

Angus revirou-lhe os olhos, questionando a si próprio até que ponto valeria a pena ir avante com aquela conversa.

"Não sou burra." Interveio Flora, revirando-lhe os olhos de volta. "Só não te quero dizer."

Com um sorriso sabido, o rapaz atirou o dinheiro do café para o balcão e levantou-se, dizendo "Volto amanhã", antes de sair porta fora.

Aquele «volto amanhã» era uma sentença de morte disfarçada de interesse.

ThunderstormWhere stories live. Discover now