Capítulo 2 ISADORA

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Sempre procuro pelo melhor ângulo. Engana-se quem pensa que o mais importante é a beleza do modelo ou do cenário. O que vale mesmo é o ângulo. Tudo pode estar perfeito, mas, se o ângulo estiver errado, por um milímetro que seja, bom, o trabalho não estará perdido, contudo, nem todos apreciarão. Meu instinto me guia, sempre guiou desde pequena e não foi diferente daquela vez. Aqueles olhos me chamaram, como imã, inevitáveis e previsíveis. Que raiva! Por que a história não podia mudar de verdade? Eu só queria um dia normal, como todos os outros, com seus altos e baixos, porém sem ele. Maldição!

Joguei a câmera no chão — que pecado! —, marchei até aquele imbecil com passos firmes e pesados, e esbofeteei seu rosto nojento. Com força, para deixar marca mesmo. No meu ficaria, no dele não. Lamentável! Pele morena idiota! Nem quando eu tomava uma atitude drástica, saía por cima. Todos me olharam, estarrecidos. Eu gritei, chutei os tripés, derrubando toda a iluminação, e agarrei o rebatedor das mãos da assistente Aline, que ficou calada e perplexa. Eu tinha sede, sede do sangue dele. Então, por que estava descontando minha fúria em objetos que nada tinha a ver com ele? Voei em sua direção e lhe apliquei uma rasteira, jogando-o no chão. O cara não reagiu, ainda bem, senão ia ser pior para ele. Por fim, coloquei meu pé esquerdo em cima de seu peito derrotado. A maioria me aplaudiu, só alguns homens da mesma raça ficaram de braços cruzados. Inúteis!

Pisquei algumas vezes, voltando-me a mim. Pô, meu, viajei legal! E olha que nem tenho hábito de me drogar, nem café eu tomo. Virei minha câmera para as modelos, que ficaram impacientes com meus segundos de distração. Como desejei acabar com aquele exemplar de mau caminho... Opa, eu quis dizer, um bom exemplo de homem conquistador e mentiroso na frente de todo mundo! O que você pensou? Eu jamais jogaria minha câmera no chão! JAMAIS! Aquela criatura não merecia isso.

No entanto, as fotos seguintes ao cruzar dos meus olhos com os dele foram um completo desastre, como se tudo o que eu aprendera nos últimos oito anos não tivesse existido.

Cada clique que dava trazia à tona uma parte de um passado que gostaria muito que não voltasse para me assombrar. As modelos se tornavam fantasmas do presente, e minha memória viajou por becos escondidos. Tentei muito, com todas as forças, permanecer naquele estúdio, mas...

O parque abandonado na cidade ressurgiu em meu campo de visão como uma miragem. A grama seca e os transeuntes que circulavam ao redor voltaram e invadiram o estúdio. De repente, eu estava lá de novo, com meus dezesseis anos, à procura do ângulo perfeito através da saudosa Zenit 12 XP, que o vizinho me emprestava sempre. Minha família não tinha posses e nem aceitava gastar com um hobby de adolescente. Claro que, com o tempo, provei a eles que podia transformar a mania de fotografar tudo e todos em profissão.

Ela, a supercâmera, buscava seu alvo do dia. Várias imagens tinham sido captadas, mas, por mais que os minutos passassem, a Zenit não estava satisfeita. Então, a câmera seguiu alguém. Era um rapaz no meio da multidão. Minhas pernas, como sempre, obedeceram a seu comando e me pus a seguir o que aos poucos me parecia a perfeição. Ele era alto, musculoso, "muito bem apanhado", como dissera minha mãe quando o conheceu mais adiante no tempo. Eu ri, claro. Já pôde perceber que a coisa toda não acabou naquele dia, não é? Continuemos pela memória daquele fatídico "primeiro encontro" na praça.

Enquanto eu desviava de pedestres, postes, carros e tudo que se colocava entre a Zenit e ele, tropecei em alguma coisa invisível, óbvio. Estatelei-me na calçada, rolando, mas protegi a Zen — apelido carinhoso da minha inseparável amiga. Senti meu joelho direito arder, pus a mão para conferir e doeu tanto que recuei automaticamente. Ai! Eu tinha ralado feio. Olhei ao redor, mas não teve uma viva alma que me oferecesse ajuda. Bando de egoístas! Porém, como num passe de mágica, alguém apoiava sua mão no meu ombro, e a voz mais rouca e sexy que ouvi no alto de minha tenra idade se fez respirar.

Insensatez - Gisele Galindo e Josy Stoque - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now