Capítulo 2

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Avistei Misha estava sentada no mesmo lugar de sempre, concentrada na leitura de um livro de conteúdo vampiresco questionável. O vento brincava preguiçosamente com seus cabelos. Eu queria que fossem os meus dedos se entranhando naquelas mechas morenas.

Era uma verdade universal que, todos os dias eu me apaixonava ainda mais por ela. Se não existisse Pitágoras, eu teria inventado o teorema de que a gente se apaixona por anjo fantasiado de humano.

Enxuguei as palmas das mãos no meu jeans e tive quase certeza de que revelar meus verdadeiros sentimentos para Misha parecia mais assustador que cair do oitavo andar de um prédio. Embora esses sentimentos já fossem tão claros como água. Até quem me vê mexendo no celular na fila do pão, sabe que eu já encontrei a minha pessoa.

Misturar amor e Misha no mesmo recipiente e acrescentar um Kent na experiência química pode dar um resultado, no mínimo, desastroso. E lindo. E glorioso.

Kent, para de ser frouxo!

E foi o que eu fiz. Marchei todo decidido, com a minha mochila cinza rasgada que eu rasguei na ultima trilha da aula de educação física, enfeitando minhas costas, e um coração ameaçando fugir do peito. Aquele script já deveria estar escrito.

"Eu escolhi você,

Porque não tá tão fácil assim de escolher.

Têm muita gente ruim.

E quando não é ruim,

É porque não gosta de mim,

Aí termina que no fim só têm você". 

Só tem Misha, porque sempre fora apenas ela.

Clarice Falcão ressoava baixinho do meu fone de ouvido. Misha amava as músicas da Falcão. Eu também aprendi a gostar da esquisitice da Clarice e eu achava que Misha era sua inspiração especial para compôr aquelas letras que falava sobre quimera, a figura mitológica que ela viu no wikipedia.

Dane-se se eu gosto de Clarice.
Eu gosto do que eu quiser.

Talvez Clarice se inspirou em mim para falar sobre o homem que foi atropelado pelo amor. Levantou cambaleante. Deu de cara com um poste e quebrou quatorze dentes. E aí foi assaltado por três caras gigantescos. E na hora de sair foi atropelado novamente. Acordou com amnésia em um hospital distante. Só pra no fim desejar que eu estivesse bem.

O irônico é que eu estava bem. Misha só precisava saber que eu ficaria melhor com ela.

- O que você está fazendo? - Perguntei como quem não quer nada, assim que me sentei ao seu lado.

Os olhos de Misha surgiram lentamente por cima do livro e, sem precisar dizer uma única palavra, sua careta me questionou se eu não estava vendo o óbvio. Uma graça receptiva.

Eu sou problema meu se transformou no novo fundo musical e eu senti a indireta do destino.

Sorri ladino.

Sua careta me questionou por que eu sorri.

Sorri mais ainda.

Misha fez aquela careta bonitinha.

Não me leve a mal, mas eu quero te beijar!

Eu provavelmente deveria dar o fora antes que ela me dissesse que acabou o que nem começou.

Mas preferi arriscar a minha vida.

Invoquei coragem, tomei uma dose de vergonha na cara e, com um pedido silencioso através do olhar, pedi permissão para segurar sua mão. E pela primeira vez eu soube que nasci para segurar a mão de Misha.

°°°°

Não é IrônicoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora