1: Mudanças.

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 Nostalgia. Uma sensação inquietante naquele momento, a sensação que afligia o instável coração de Victoria enquanto ela se distraia organizando suas últimas roupas. O espaçoso quarto não lhe dava mais a alegria de antes, o prazer e aconchego da privacidade mais que fundamental na vida duma garota de dezessete anos. Agora, na hora de dizer adeus, parecia algo do passado do qual tivera de abrir mão contra sua vontade.

Vick apanhou a última blusa sobre a cama, guardando-a no interior da mala Lilás, qual selou com o zíper prateado. Seus pensamentos estavam distantes e a luta interior contra a tristeza era presente e constante, mas não a deixava florescer para evitar um longo discurso sobre mudanças serem boas vindo dos seus pais.

Seu olhar cabisbaixo não a deixava esconder a melancolia de uma forma convincente, e ela sabia daquilo. Respirou fundo, selando os olhos preguiçosamente para concentrar-se numa feição indiferente quando estivesse diante eles. Ensaiando a cara teatral o quanto podia.

Abriu os olhos suspirando lentamente, observando com calma mais uma vez o cômodo onde havia dormido desde seus cinco anos: a cama arrumada, o guarda-roupas logo atrás de si refletindo sua imagem em um espelho aderente nas portas.

Aquele lugar, assim como o antigo carvalho atrás de sua casa, lhe dava tranquilidade, um refúgio seguro contra as imagens distorcidas que alfinetavam sua cabeça subitamente. Ela fugia incansavelmente delas, mesmo que buscasse enfrenta-las frente a frente, tentasse entender o que elas diziam, restava-lhe apenas uma sensação de fracasso no fim das contas.

Enquanto admirava tudo atentamente numa despedida silenciosa do seu ninho pessoal uma pequena brisa invadiu o lugar, fazendo a leve cortina vermelha balançar. A dança do tecido atraiu sua atenção chamando-a até a janela.

Pessoas passavam pela rua, algumas a pé, outras de bicicleta e até mesmo com seus veículos modernos. – Ou as grandes latas de poluição, como Vick gostava de chamar.

O céu estava incrivelmente azul naquele dia, uma visão que a fez sorrir involuntariamente deleitada com a beleza celeste enquanto sentia o sol morno tocar sua pele belamente escura. Os sons naturais daquela típica cidade do interior de Atlanta pareciam tilintar como uma cortina delicada de cristais ao seu redor. Aquela serenidade lhe fazia bem, afastava qualquer negatividade ou receios do seu ser. Outro sopro entrou no cômodo, beijando o rosto da garota, lhe arrancando um suspiro relaxado com a sensação. Como num estalar de dedos ela se viu refém duma força incontrolável, uma que lhe fazia permanecer ali extinguindo indestrutivelmente qualquer decisão de partir duma vez, e querendo evitar ficar presa numa infindável despedida, fechou as janelas, e ao trancá-las ouviu claramente uma voz feminina convocando-a para o andar inferior.

– Vick, venha até aqui, quero que me acompanhe em uma coisa.

– Estou indo mamãe. – Respondeu.

Ela apanhou sua mala, finalmente saindo do cômodo deixando a porta aberta sem ao menos olhar para trás, marchou pelo corredor indo até a longa escada de madeira de pinheiro polido. Ao chegar ao fim dos degraus, a adolescente de cardigã Azul Royal lançou seus olhos âmbar para todos os lados.

– Estou na cozinha! – Sua mãe alertou.

Largando a mala ao pé da escada, ela seguiu a origem da voz onde avistou a dona da mesma de costas para si, o longo vestido amarelo leve sob a jaqueta tricotada por mãos suaves e perfeccionistas. O lugar bem iluminado lhe mergulhou num mar de lembranças rápidas, quais ela expulsou de imediato.

– O que está fazendo? – Perguntou, parando na entrada do cômodo.

– Preparando um chá. – Virou-se ao responder, logo depois seguiu até a mesa central de cerâmica. Despejou o chá que estava no interior do recipiente em suas mãos dentro das duas xícaras de porcelana sobre a mesa, sentando-se em uma das cadeiras logo depois. – Me acompanhe.

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