Único - Do Pó ao Pó

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Cinzas.
Quando olhava em volta, tudo o que Ella via era cinzas.
Os exércitos Boreais haviam esmagado com facilidade a pequena força rebelde.
Não, não os exércitos Boreais, com suas armas superiores a escudos e espadas. De fato, era só olhar em volta para constatar que o que cobria o horizonte não era gelo, eram cinzas. Cinzas do fogo dos Infernais.
A vida toda, Ella tinha sofrido na mão dos Boreais opressores, que achavam que uma coroa na cabeça de um deles os fazia melhor que os Infernais. Sentira inveja dos Neutros, que vendiam seus produtos e dançavam em suas festas, alheios à guerra travada fora dos muros de suas mansões.
Achou, na maior parte da vida, que morreria na luta eterna entre o fogo e o gelo. A única esperança que era permitida a Ella era de comseguir fugir para as Repúblicas, onde Neutros, Infernais e Boreais viviam com harmonia e igualdade, mas isso era quase impossível.
Foi isso que a atraiu na Rebelião. A promessa de tornar Circen em uma república igualitária, sem que ela precissase arriscar a morte nas fronteiras. Mas não foi só isso que ela enxergou na Rebelião. Ela viu a oportunidade de conhecer sua verdadeira família, que nunca a abandonaria ou a deixaria para trás.
Tentando afastar as memórias, Ella levantou-se com dificuldade por causa do ombro deslocado, e caminhou mancando por entre os restos do vilarejo, a mão boa sobre o corte em seu abdômen.
Os corpos que reconheceu pelo caminho apenas aumentaram o vazio dentro de seu peito. Ella viu Jem, que sempre soube fazê-la rir. E viu Rose e Sara, que davam os melhores concelhos e adoravam a deixar de vela de vez em quando. Também havia Cindy, que foi a irmã que Ella nunca teve, e sonhava em ter filhos com seu noivo Neutro.
Mas o pior foi quando ela tropecou em algo, caindo de joelhos no chão duro. Assim que Ella abriu os olhos para ver no que a fizera cair, se deparou com Carter. Os olhos castanhos dele não tinham mais brilho, e sua última expressão não continha o sorriso que costumava fazer o coração dela bater mais rápido.
Essa foi a gota d'água. Ella apenas permitiu-se perder o controle, sem coragem para se levantar novamente.
Por quê? O que os Comandantes ganharam traindo-os? Aquela luta não era deles também? O que os fazia dignos de sobreviver, enquanto Ella e sua família eram enviados para a morte certeira?
As perguntas, assim como as lágrimas, continuaram vindo, enquanto as labaredas inrrompiam do corpo dela, transformando tudo o que ainda sobrara em cinzas.
E Ella só parou quando suas chamas não queimavam mais nada e não haviam mais lágrimas para derramar, restando apenas o que sobrara dela.
Olhou para o horizonte, onde só podia se ver cinzas. Cinzas feitas pelos traidores e cinzas feitas por ela.
Uma última pergunta surgiu na mente de Ella: Será que aquele era o fim de tudo? Sua história iria acabar assim, destruída por aqueles em que confiava?
A resposta chegou quase que imediatamente, enquanto seus últimos soluços se transformavam em uma risada amarga. Não, aquele não era o fim. Talvez para aqueles que ela amava e para aquela que tinha sido, mas a Ella que emergiu da quase morte os vingaria.
Já não queria mais saber de felicidade ou dos ideais da Rebelião.
Quem sabe quando todos estivessem mortos, fossem iguais. Porque ao menos que alguém pudesse restaurar as cinzas da vida de Ella no que um dia foram, não havia mais volta.
Ela iria retruibuir o favor que o mundo lhe fizera, e o queimar até sobrassem apenas cinzas.

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