Capítulo 1: Uma joia na lama

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Quando esta história realmente começa estávamos em julho, mês em que o clima faz degradê monocromático com a atmosfera já cinza de São Paulo. Minha mãe ganhara em seu aniversário uma belíssima gargantilha de ouro, presente de uma senhora já muito idosa para quem ela trabalhava limpando a casa. A mulher deu o presente deixando claro que não se importaria se ele fosse penhorado ou vendido, pois sabia que dinheiro seria muito mais útil que um colar.

Essa passagem ela nos contou quando chegou em casa por volta do meio dia, trazendo também um pouco de comida, sobras da casa daquela senhora, para dividir conosco. Minha mãe tinha no rosto alegria que eu não me lembrava de já ter visto. Repleta de esperança ela colocou a joia dentro de um pote, e o guardou sobre a geladeira velha. Lá ele ficaria enquanto sua nova dona seguia para outro trabalho e pensava onde poderia vendê-lo

Acontece que meu pai estava cochilando no sofá devido à ressaca, mas acabou despertando no meio do relato de minha mãe e tirou suas conclusões do que fazer com o pedaço dourado de gratidão.

Era noite há poucas horas quando minha mãe chegou e contamos que nosso pai havia pegado a joia com o intuito de usá-la para apostar no jogo, seu vício além da bebida.

Eu vi a face de minha mãe ser tomada pelo assombro e raiva em segundos.

- Fiquem aqui, quietos e se aqueçam - disse ela, recolocando o velho casaco cheio de furos e as luvas gastas. - Para o bem do pai de vocês é melhor que ele não tenha feito nenhuma grande merda, como sempre faz. Estou cansada... - Uma lágrima escapou. - Cansada! - Seus olhos que tremiam pelo nervoso nos fitaram. - Estou cansada de vê-los sofrer sem ter culpa. - E ela fechou a porta atrás de si.

Eu olhei para Leonardo, meu irmão mais velho, imaginando que ele pudesse me acalmar e me explicar o que estava acontecendo, mas demorei a crer no que ouvi.

- Olhe, Ju... você precisa ir atrás dela... escondida. - Ele tossiu antes de continuar. - Eu iria, mas não vou ficar bem lá fora com esse frio. Você precisa ir atrás dela.

Devo ter respondido com um aceno positivo de cabeça. Leonardo vivia doente e Luana ainda era um bebê, então apenas eu poderia fazer alguma coisa, seja lá o que fosse. Coloquei uma blusa qualquer e uma touca, ambas com o cheiro de mofo, e nas mãos meu irmão colocou-me um par de meias, pois não tínhamos luvas. Saí de casa acreditando cumprir uma missão.

- A joia! - Enraivecida e incrédula, minha mãe falava sozinha. - Eu poderia comprar os remédios do Leo... Como Pedro pôde fazer isso, meu Deus? Como ele pôde?

Na rua ela perguntava por meu pai a conhecidos que cruzassem nosso caminho, mas ninguém o havia visto. Eu a seguia me esgueirando pelas sombras até que um casal com quem ela conversava, me viu escondida atrás de sacos lixo.

- Aquela não é sua filha? - perguntou a moça.

Minha mãe ao me ver ficou transtornada. Veio em minha direção e, me pegando pelo braço, voltou a andar.

- Não devia ter vindo, Júlia - sentenciou ela.

Fomos aos bares perguntar por meu pai e todas as respostas passaram a ser similares. Ele havia aparecido em todos, cantando futura vitória, mas não havia parado para beber em nenhum. Pedro seguia para uma casa de jogos onde só se poderia entrar com algo de valor, era uma residência muito velha e recentemente ocupada só para esse propósito.

Minha mãe acelerava cada vez mais o ritmo de seus passos enquanto apertava mais forte meu pulso. A dor era quase pior do que o frio no rosto e nos pés calçados apenas com chinelos. Minha mãe mirava o horizonte tendo os olhos repletos de lágrimas, porém de passos firmes, parecendo não sentir nem o vento e nem o frio.

Dias de Chuva (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora