"Fique sabendo que eu ficarei dois dias sem comer por sua causa, Miguel Porto..." dei um leve tapa em suas costas enquanto íamos em direção aos outros, que conversavam escandalosamente. Não sabia qual parte do 'não façam escândalos' ou 'calem a boca' eles não entendiam. Meus amigos sofriam de surdez, ou simplesmente resolviam me ignorar sempre.

Eu tinha aquela turma desde que me entendia por gente. Não me lembrava exatamente como ou quando havíamos nos conhecido, mas isso não importava. Éramos inseparáveis e eles eram a família que a vida havia me dado.

"Você sabe que suas gordurinhas são seu charme, Mel..." Miguel disse, já encolhido, pois sabia que eu o estapearia. O garoto estampou seu largo sorriso no rosto e apertou seus pequeninos olhos azuis.

"Por isso você não arranja namorada, Porto, você é um mal educado!" Dei um murro em seu braço.

"Vamos logo, Yan está nos esperando..."

E então, aquela voz me fez arrepiar.

Literalmente. Olhei para trás e vi que ele estava sentado no capô do Pontiac, com os braços cruzados e aquele olhar misterioso, que só ele tinha. Ben me encarava na mesma intensidade, e o mundo sumiu a minha volta. Aquele par de olhos verdes e aquelas sardas quase invisíveis eram a combinação perfeita. Seu cabelo curto tinha um tom loiro escuro e um pequeno topete aumentava o seu charme. Usava uma jaqueta de couro preta por cima da regata branca, sempre soube muito bem como escolher as roupas que o deixava arrebatador.

O irmão de Rico era nosso motorista, mas para mim ele definitivamente era mais do que isso. Meu coração sempre esquecia de bater toda vez que Ben chegava perto de mim, e quando eu digo sempre, significa desde quando eu brincava de bonecas com Duda – prima dos Ribeiro – em seu quintal. E toda aquela história de eu ser apenas a amiga do seu irmão mais novo.

"Vamos entrando no carro, porque o clima esquentou aqui..." escutei vagamente a voz de Rico no fundo dos meus pensamentos, seguido por ecos que eu adivinhei como sendo risadas. Vi vultos passarem por mim, eram apenas borrões, uma vez que a única imagem concreta era a de Ben a minha frente.

"Oi Mel..." sua voz, grave e grossa, soou como poesia. Eu devia estar com uma expressão patética. Não, eu absolutamente estava patética.

"O-oi Ben..." para completar a situação, eu gaguejei.

Não suportava mais olhá-lo, já estava tonta. Encarei minhas unhas com esmalte descascado, e o vi se aproximar, mas não ousei mudar a direção de meus olhos. Suas mãos tocaram meus cabelos, colocando uma mecha de franja atrás da orelha, e logo em seguida senti seus lábios quentes tocarem minha testa. Minhas pernas bambearam, e eu não sabia aonde arranjei forças para continuar de pé.

"Vamos antes que esses animais destruam meu carro..." ele disse divertido. Sorri e o vi abrir a porta do banco carona para mim. "Saia daí Miguel, esse é o lugar da Mel." Porto passou por entre os bancos da frente em direção à parte de trás do carro, não sem antes reclamar um bocado.

Normalmente nossos finais de semana eram assim. Eu, Rô e Duda dormíamos na minha avó – visto como ela era, com todo o respeito, mais lerda que meu meus pais, pois nunca percebia nossa ausência nas madrugadas –, enquanto esperávamos os pais de Yan Beltrão saírem para algum baile, ou viajarem para São Paulo e deixarem a casa às traças. Em dias de sábado era inevitável ela virar o ponto de encontro da cidade, pois Yan espalhava propositalmente o local da festa em várias escolas. Sua mansão virava um verdadeiro palco para bailes. De madrugada, os garotos pediam a Ben pelo carro, que por conseguinte ia junto, sendo o Pontiac seu bem mais precioso. Porto sempre ficava no carona e eu ficava entre meus amigos casais no banco de trás.

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