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Janeiro, 1964

"Querido Diário

As melhores coisas da vida acontecem em momentos inusitados, naqueles em que você não espera que algo de importante vá acontecer. Uma pessoa que você não espera ver. Um olhar que você não espera ter. Um beijo que você jamais imaginaria receber. E tudo acontece quando você está despreparado, com a guarda abaixada, completamente vulnerável. Pode parecer a receita perfeita para o desastre, mas se você se permitir, irá vivenciar os melhores momentos da sua vida.

We'll send you to the store and let's buy some more and let's have a party tonight...

Elvis Presley".


"Roberta..." Eu sacudia minha amiga. Ela estava em sono profundo, seus cabelos loiros curtos bagunçados sobre a face, a boca fina entreaberta. "Roberta, acorda!" cochichei desesperada, enquanto a empurrava.

"Ah Amélia, o que foi?" Ela resmungou de volta, colocando o travesseiro no rosto. Lancei um olhar impaciente à Duda, que estava roendo as unhas de nervosismo ao meu lado. Estávamos na casa de minha avó, e não era menos do que uma e meia da manhã. Eu e Duda estávamos nadando e reclamando da preguiça de Rô, quando escutamos uma buzina vinda do lado de fora dos muros da casa. Nos entreolhamos assustadas, no entanto, sabíamos quem buzinava.

"Os meninos estão lá fora, Roberta!" Falei impaciente e a vi levantar imediatamente da cama, completamente descabelada, seus grandes olhos castanhos inchados. Previsível.

"O que? Eles estão lá fora?" Rô disse afobada enquanto andava de um lado para o outro naquele quarto de paredes amarelas. Seus olhos agora estavam arregalados, e ela tentava arrumar a saia longa pregueada, completamente amassada.

"Sim Roberta, e se você falar mais alto, minha avó irá acordar e nós não iremos sair!" rebati entre dentes. "Vamos..." Cochichei e peguei a mão de Duda, que enroscou seu braço no de Rô.

Havia uma enorme porta de vido que dava para a sacada de pedra. Lá de cima era possível ver o Pontiac de Ribeiro, e três garotos ao seu redor. Porém, meus olhos se prenderam em apenas um. O sorriso brotou imediatamente em meu rosto.

"Ei garotas, desçam!" Rico, o garoto mais alto entre eles de cachos castanhos e escandaloso como de costume gritou, fazendo-me fechar a janela atrás de nós imediatamente.

"Cala essa boca, Ribeiro! Quantas vezes eu tenho que dizer pra não gritar quando vir aqui?" Eu estava cansada de avisá-lo, mas creio que ele estava embriagado demais para lembrar, já que sorria com seus dentes grandes como se eu nada houvesse dito. Os outros garotos pararam de fazer barulho imediatamente.

"Vamos logo!" Rô disse impacientemente feliz, e passou para o outro lado da grade da sacada.

Ao lado dela haviam outras grades com trepadeiras que enfeitavam a casa da minha avó. Rô já descia por elas, e Vini estava a ajudando logo embaixo. Depois foi a vez de Duda, e era óbvio que o garoto estava animado para ajudá-la. Assim que ela chegou ao chão, os dois foram em direção ao carro juntos.

"Ei amigos, obrigada pela ajuda!" Protestei a quantidade de pessoas que me ajudariam a descer as trepadeiras. Rico estava ocupado demais cochichando algo para Roberta, enquanto Vini e Duda já estavam fora do meu campo de visão. Pude escutar a risada de alguém conhecido, e vi os cabelos loiros de Miguel virem em minha direção.

"Venha, gordinha mimada..." ele fez uma careta e eu soltei uma risada cínica. Pulei a grade da sacada em direção às trepadeiras e as desci com muita fobia, pois além de alergia por aquelas plantas horríveis – na minha opinião elas deixavam a casa muito mais rústica, mas vovó insistia que aquela seria a nova tendência –, eu tinha um incrível medo de altura. O fato da sacada ter apenas dois metros de altura em relação ao chão não fazia diferença. Podia ser um degrau com meio metro que ainda assim eu teria medo. Quando eu estava a alguns palmos da calçada, Miguel colocou as mãos em minha cintura e me ajudou a pular.

Querido DiárioDonde viven las historias. Descúbrelo ahora