GUARDIÃ DO OLIMPO [01]

1° - Recomeço

Sobre as nuvens espessas e negras de Montana os olhos majestosos espreitavam sua magnificente obra. As gélidas rajadas de vento rasgavam o céu como um grito estridente de revolta e o tenebroso inverno fazia com os grandes pinheiros se tornassem grandes montes de gelo e neve, ameaçando cair sobre qualquer que ousasse passar por ali. Mais a frente havia uma exuberante matilha de feras da noite, com seus pelos arrepiados, tão alvos quanto a própria neve, seus olhos brilhantes banhados em euforia e os altos uivos que anunciavam a chegada da pequena criatura. Uivavam e corriam em volta do lago semi congelado, na insistente tentativa de mostrar algo ali, sabendo que mais ao longe um grupo de homens observava tudo de forma curiosa. Os animais não pareciam incomodados com a presença dos lenhadores, era como se eles apenas quisessem mostrar algo tão sobrenatural que os fazia ignorar os instintos mais primitivos. A matilha continuou a correr insistentemente e por um instante Jerome pareceu perceber o motivo. Talvez eles quisessem devorar a presa indefesa que se encontrava ilhada no meio do gelo.

Havia um bebê, completamente nú, dentro de uma cesta de algas florescentes [...] Algas que pareciam segurar a pequena com a ternura e o cuidado de uma mãe, que banhada em desespero se via obrigada a abrir mão do seu bem mais precioso. Jerome pensou em andar até lá, tendo quase certeza de que a criança já estaria morta - nenhum bebê normal sobreviveria naquela baixa temperatura com tão pouca roupa - mas o gelo sobre o lago era fino e não aguentaria o seu peso.

Foi quando algo ainda mais estranho aconteceu.

Todos os lobos pararam de correr e logo uma fileira se formou entre eles. O maior deles, que parecia ser o líder foi até a criança de forma serena, tomando a cesta na boca e rumando em direção ao homem esguio de fios dourados, estendendo - a em sua direção enquanto o observava fixamente com seus grandes olhos negros, como se assim ambos pudessem conversar através do olhar e de tal forma estabelecer uma trégua. Jerome se aproximou devagar, um tanto assustado e receoso e pegou a cesta da boca do enorme animal, este que por um breve momento pareceu assentir em concordância antes de correr em direção a mata, desaparecendo entre os arbustos. Depois que toda a matilha sumiu de vista, ao longe uivos altos e agudos puderam ser ouvidos, ecoando pelo lugar como um grito de vitória. O homem olhou pesaroso para cesta e subitamente foi tomado pelo alívio quando percebeu que a menina ainda se mexia. Retirou um dos seus casacos de pele de raposa e o enrolou na recém nascida, a aninhando novamente na cesta e andando em passos apressados até sua picape, sendo seguido por toda a sua esquipe.

Quando a frota de carros parou em frente ao hospital, para evitar uma possível aglomeração apenas alguns deles entraram, boa parte permanecendo em seus veículos a espera de respostas. Jerome correu até Luke, o único médico daquele monótono hospital e desatou a falar, em um tom rápido e demasiado impaciente :

- Preciso da sua ajuda. É uma emergência!!

Luke encarou o amigo com entranheza e espanto. Jerome era um homem alto, com braços enormes e um peitoral bruto, o tipo de cara meio ranzinza e durão que nunca pede ajuda e nas raras vezes que o faz está sempre acompanhado da sua típica feição de desdém. Mas dessa vez ele estava pedindo, pedindo com toda a sinceridade e desespero possíveis. Luke concordou com um aceno de cabeça e seguiu até seu velho consultório, esperando que o outro o acompanhasse. Jerome colocou a menina sobre a maca, percebendo que ela dormia tranquilamente, como se nada estivesse acontecendo. Logo o baixinho de olhos puxados já começava a fazer todo o procedimento, sendo observado atentamente pelo amigo, que estava recostado no batente da porta do consultório, tendo os braços cruzados sobre o peito. Depois de algum tempo, foi dado o veredito:

- Bom, não há com o que se preocupar. Ao que tudo aparenta, ela está completamente saudável.

- Como é possível? Eu achei ela abandonada em um lago congelado, completamente nua.