Prólogo

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Brookline, MA/EUA

(dois anos antes dos acontecimentos do último livro)

Depois desta noite tudo será diferente. Finalmente, depois de centenas de anos vivendo na mais completa escuridão, revelaremos aos humanos sobre a nossa existência. Sinceramente, considero esta a decisão mais estúpida que o conselho poderia ter tomado. Revelar aos humanos sobre a nossa existência só trará problemas, tanto para os humanos quanto para os vampiros. Não posso dizer que gosto de viver na atual condição, tendo que transitar furtivamente entre os humanos, mas a medida proposta também não é algo que tenha comprado a minha paz. Durante os últimos anos, consegui viver nessa casa longe de qualquer perturbação ou infortúnios e hoje tudo isto parece estar prestes a se perder. Diz-se que só damos valor a alguma coisa depois que a perdemos. Será, então, que é isto o que está para acontecer? Ao sairmos do anonimato, perderemos nossa liberdade?

Tudo isto me vem à mente enquanto me encontro em meu escritório, braços cruzados na altura do peito, parado em frente à janela, observando por ela a imensidão à minha frente. As luzes das casas e prédios da cidade já se acenderam e agora formam um conjunto de cores iluminando o negrume noturno. O céu, salpicado de estrelas e ostentando uma suntuosa lua cheia, não poderia fornecer uma visão mais esplêndida. Já o vento, fustiga os galhos e folhas das árvores, envolvendo-os ao seu bel prazer em uma harmoniosa dança, levando consigo algumas folhas secas que não conseguiram resistir a sua força e desprenderam-se dos galhos, carregando-as para longe. Força esta que tenta ser vencida por um pequeno morcego que, batendo freneticamente as asas, trissa, e desloca-se desbravadoramente entre as árvores dispostas pelo meu jardim e os obstáculos que surgem em seu caminho. Uma coruja de plumagem amarronzada que decidiu aparecer em minha propriedade, pia e observa atentamente cada movimento que o pequeno morcego faz em seus voos rasantes. Aparentemente, ela havia encontrado uma presa que lhe saciaria a fome. Além do som emitido por estas criaturas, o canto estridente de um grilo também se faz ouvir. Sorri, involuntariamente, ao me dar conta de que tinha algo em comum com os pequenos seres. Éramos todos noturnos. Criaturas da noite. Noite que hoje estava extremamente agradável.

"Pelo menos isto" - pensei.

Dado o que estava prestes a acontecer, se hoje fosse uma dessas noites em que parecia que o céu estava desabando sobre as nossas cabeças, com chuva torrencial, relâmpagos e trovões, os humanos, supersticiosos como eram, poderiam entender isto como sendo um sinal de mau presságio.

Para além dos ruídos externos a casa, outros também se faziam nítidos para mim. O som baixo de uma respiração, contida e regular, reverberava, vindo de algum lugar da casa onde se encontrava o único morador ainda humano. Era possível também ouvir seus batimentos ritmados e seus passos, indo e vindo, tranquilamente. Outro som, porém, não ecoou tão pacificamente. O barulho de solas de sapato tocando o chão de forma enérgica aumentou, indicando que alguém se aproximava. De repente, as dobradiças da porta do escritório rangeram quando esta foi aberta e um Gabriel apressado apareceu.

- Irmão! – ele disse, com seu habitual entusiasmo, sorrindo amplamente.

- Irmão – lhe dirigi um aceno de cabeça, mas sem oferecer nenhum sorriso, e o observei cerrar a porta atrás de si. Dada à tensão que estávamos prestes a enfrentar, ele me parecia muito tranquilo. Algo que, francamente, eu não conseguia compreender.

- E então? Está pronto para o que vai acontecer hoje? – perguntou. Ele caminhou em minha direção e se pôs ao meu lado para observar a vista.

Sorri, ironicamente, em resposta a sua pergunta, sem me dignar a olhá-lo.

- Isso vai virar um inferno, Gabriel, e você sabe disso – disse com a voz contida, mas sem conseguir esconder a apreensão que sentia.

Meia-noite SombriaWhere stories live. Discover now