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    Comecei a te amar no dia em que te abandonei.
    Foram as palavras dele quando, dez anos  depois, a encontrou por mero acaso no café. Ela sorriu, disse-lhe <<olá, está tudo bem?>>. Ficaram horas conversando ,até que ele, nestas coisas era sempre ele a perder a vergonha por mais vergonha que tivesse naquilo que tinha feito (como é que fui te deixar? Como fui tão imbecil a ponto de não perceber que estava em você tudo o que queria?), lhe disse com toda a naturalidade do mundo que queria levá-la para a cama. Ela primeiro pensou em esbofeteá-lo e depois amá-lo a tarde toda e a noite toda, e finalmente resolveu não dizer nada e, lentamente, escondendo as lágrimas por dentro dos olhos, abandonou-o da mesma maneira que ele a abandonara uma década antes. Não era uma vingança nem sequer um castigo - apenas percebeu que estava tão perdida dentro do que sentia que tinha de ir para longe dali para ir para dentro de si. Pensou que provavelmente foi isso o que lhe aconteceu naquele dia longínquo em que a deixara,sozinha e esparramada de dor, no chão, para nunca mais voltar.

    De tudo o que amo é você o que mais me apaixona.
    Foram as palavras dela, poucos minutos depois, quando ele, teimoso, a seguiu até o fim da rua na hora do rush. Estavam frente a frentr , todo mundo passando sem perceber que aali se decidia o futuro do mundo. Ele disse: <<casei-me com outra para poder te amar em paz>>. Ela disse: <<casei-me com outro para que houvesse um ruído que te calasse em mim>>. Na verdade nem um nem outro disseram isso porque nem um nem outro eram poetas. Mas o que as palavras de um (<<te amo loucamente>>) e as palavras de outro (<<te amo loucamente>>) disseram foi isso mesmo. 
A rua parou, então, diante do abraço deles. Não há memória de alguém, algum dia, ter considerado que aquele abraço foi um abraço de traição entre duas pessoas casadas. Todo mundo percebeu, logo ali, que a única traição seria não abraçar aquele abraço, por mais que houvesse documentos que provassem o contrário. Nunca se casaram nem nunca se divorciaram. Não queriam perder tempo com papeis desnecessários. Os únicos papéis que assinaram, todos os dias, foram os dos poemas que, e religiosamente, deixavam nos mais recônditos e secretos lugares da casa um para o outro. Não eram grandes obras e terminavam, sem qualquer variação possível, sempre da mesma forma: <<te amo>>. Nunca receberam qualquer elogio da crítica literária, o que os deixava particularmente irritados. Souberam, anos mais tarde, que toda a sociedade os havia renegado. Eram chamados, mesmo, de os fugitivos. Eles, nesse ponto, concordaram em absoluto. Ambos sabiam que haviam fugido durante dez anos. E tinha sido tempo demasiado. 
    Sim, quero.
    Foram as palavras dele quando ela, no registro civil como tinha de ser, lhe perguntou se queria nunca casar com ele.

Prometo FalharOnde as histórias ganham vida. Descobre agora