Capítulo 17: Escuridão

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E com esse ultimato ela saiu, batendo a porta de propósito. Acomodei-me na cadeira e voltei a encarar a janela. Minha irmã tinha um ótimo dom para acabar com meus devaneios e tentar me irritar até meu limite, mas eu estava acostumado e nada daquilo me abalava mais.

Augusta sempre teve mais autoridade e mais força de vontade para manter essa fazenda em pé. Eu sempre escutava muitas críticas sobre esse assunto, já que esse não era o papel da mulher, ela deveria apenas cuidar da casa como nas outras famílias.

Tudo isto é consequência da maneira como fomos criados e a história é bem longa... Eu tinha dez anos quando minha mãe morreu no parto de Augusta por complicações cirúrgicas e a partir desse evento meu pai teve que ficar responsável por nossa educação.


"– Álvaro, venha cá– disse o Barão Coimbra, chamando-me para o celeiro.

Eu estremeci, pois já conhecia aquele tom de voz, o que não era nada bom.

Anda logo menino– gritou o Barão enquanto penteava seu bigode grosso com os dedos.

O que o senhor deseja?– perguntei apreensivo.

Larga esse livro! Parece sua mãe! Você quer cozinhar também ou prefere a costura?– meu pai riu, cuspindo sem querer em mim.

Eu odiava quando ele citava minha mãe para me dar uma bronca, sempre ironizando os atos dela. Nesse ano completaria sete anos desde sua morte, desde que nossas vidas sofreram uma drástica mudança.

Desculpe, senhor– Abaixei a cabeça.

Venha garoto– meu pai me puxou, virando minha cabeça na direção do cafezal– Vamos praticar tiro ao alvo hoje, o que acha? Vou ensinar meu menino a se tornar o melhor caçador da região.

Suspirei aliviado, pelo menos não era uma bronca e as aulas tinham seu lado positivo, já que eu gostava de caçar.

Segure essa espingarda– ele deitou uma espingarda antiga no meu braço– Agora olhe para lá, na direita. Vamos! Olhe!

Olhei através do visor da espingarda e o pontinho vermelho mirava apenas no negro Jorge, que cuidava da plantação de milho.

Onde o senhor quer que eu acerte? Vejo apenas Jorge– afirmei, tentando achar o alvo.

Garoto burro!– gritou meu pai no meu ouvido– É nele mesmo!

O que? Você quer que eu mate Jorge? O que ele fez?

Parece que não aprendeu nada! Não vamos matar Jorge, você quer matar o melhor escravo da fazenda?!

Mas o senhor deseja que eu atire nele.

Na perna dele!– ele gritou– Na perna direita.

Pai, eu...

Vai começar, Álvaro?– perguntou meu pai, indignado– Você quer ganhar uma surra como da última vez? Preste atenção aqui menino, aquele escravo é um sem vergonha, já peguei ele roubando café inúmeras vezes para revender na vila e juntar dinheiro para a alforria.

Por que o senhor simplesmente não o coloca no sótão?– perguntei, sem conseguir segurar meu pavor.

Vai ser o seguinte– ele disse irritado– Vou contar até dez e você vai atirar. Se não o fizer quero que abaixe suas calças e fique de costas para a cerca.

NegraWhere stories live. Discover now