Prólogo

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Se esconde... Elas estão vindo! Se esconde, agora!

Um sussurro afiado como o vento toma conta do quarto, o mesmo que se encontra completamente vazio. Olho para os lados o mais rápido que posso, mas nada vejo, então continuo estendida minha cama fingindo que não passa de mais uma invenção da minha imaginação enquanto tento me distrair olhando o teto branco sobre mim. No entanto, após alguns segundos um grupo de meninas atravessa a porta, meio a risadas abafadas pelas mãos.

- Cinzia, você não cansa de ser a esquisita do orfanato? - grita Carla, ficando parada em frente da minha cama - Por isso que ninguém aqui gosta de você! Sua esquisita!

Com isso todas as meninas que estão atrás da garota mais gorda do orfanato, começam a dar gargalhadas, ao mesmo tempo em que colocam as mãos sobre a boca para não fazer muito barulho e não chamar a atenção de nenhum freira.

Carla arrasta suas pernas grossas, porém curtas, para mais perto de mim e me olha com certo ódio. Apenas consigo me encolher e com o ato de apertar os lençóis com toda minha força, fecho meus olhos quando vejo a mão fechada da Carla vir em minha direção com toda força.

Uma dor incontrolável se instala no meu rosto, enquanto sinto um líquido familiar escorrer rapidamente pelas minhas magras bochechas. Em questão de pouco tempo a dor se espalha por todo meu corpo, no momento que todas as outras meninas resolvem seguir o exemplo de Carla.

Meu nariz deixa escapar um fino fio de sangue quente, meus gritos começam a ficar tão agonizantemente altos que ecoam por todo orfanato, enquanto meu corpo recebe golpes fortes. Um atrás do outro. Sem piedade.

Na hora que as vozes alta das freiras se iniciam pelos corredores, todas as meninas que se encontrava ao meu redor, se afastam em questão de instantes.

- Alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui!? - berra uma das freiras, arregalando os olhos quando coloca-se entre a porta.

- A Cinzia roubou minha boneca... - diz Carla abaixando a cabeça, juntando as mãos uma na outra e fechando as pernas gordas.

- Mentira! Eu não roubei nada, ela está mentindo - grito ainda chorando em cima da cama, deixando o sangue se chocar contra o lençol branco.

- Eu juro Irmã, acordei hoje e encontrei minha boneca preferida nas mãos de Cinzia - insiste Carla, dessa vez me olhando como se fosse a vítima, até tem a frieza de encher os olhos de lágrimas - Eu juro! Você sabe que eu jamais mentiria pra você, Irmã.

- Verdade! Eu vi Irmã Lucy! - as meninas formam um coral, repetindo sem parar.

- Cinzia, não sei o que fazer com você - grita a freira, de forma severa, caminhando em minha direção - Semana passada você cortou todas as roupas da Irmã Piedade, ontem já quebrou todos os lápis da Laura e agora está roubando?!

- Mas eu juro que não fiz nada, elas estão mentindo! - grito sentindo uma agulhada quando a freira pega nos meus braços roxos - ELAS ESTÃO MENTINDO!!!

- Você sabe quais são as regras por aqui... - diz me empurrando para a porta - Acho que peguei muito leve na última vez, mas não se preocupe, pois recebemos um novo "instrumento" para conseguir educar melhor nossas crianças e creio que isso colocará fim nessas suas atitudes de menina de rua.

- NÃO!! Por favor... - digo roubando a atenção do olhos da feira - Irmã Lucy, minhas costas ainda estão machucadas de ontem. Por favor! Acredita em mim! Eu te imploro, acredita em mim! Eu nunca roubaria...

A sala fica em silêncio. A senhora de cara feia que aperta meus braços perde vários segundos observando minhas lágrimas e até percebo que suas marcas de irritação começam a suavizar. E em questão de milésimos a ideia que tudo iria acabar bem dessa vez esfarela, já que basta uma pergunta para ira tomar controle dos olhos da Irmã novamente.

- Irmã o que é aquilo? - Carla aponta algo para debaixo da minha cama com os olhos totalmente arregalados que até eu fico com medo de olhar.

A freira solta meus braços e com passos assustados, vai em direção do lugar que Carla aponta. Múrmuros toma conta do quarto, tendo companhia de sorrisos sussurrados, porém tudo simplesmente perde o som quando a Irmã Lucy virá novamente pra nós.

- Por Deus!! Onde conseguiu isso? - o rosto de Lucy começa dar lugar para uma expressão de ódio, como se o maior pecado estivesse acontecendo bem na sua frente - Me responda agora! Onde conseguiu isso? - uma das suas mãos levanta um enorme sutiã na cor vermelho sangue, todo rendado.

- E-e-eu não sei... não entendo como isso pode estar aí - começo olhar para as meninas ao meu redor, com a missão de buscar a verdadeira culpada, porém até a Carla encontra-se paralisada diante a situação.

- Não sabe?!? - o grito faz que todas nós dê um passo para trás - Eu não acredito que quase cai na suas falsas lágrimas, sua pervertida!!

Com movimentos rápidos, a mão dela que está livre agarra meu braço e com uma força descomunal, me arrasta para fora do quarto.

- Cinzia, você mais do que ninguém sabe que regras nesse santíssimo orfanato são uma das principais doutrinas que louvamos.

E com isso, os gritos de dor e medo de uma menina de nove anos ecoam por todos os corredores sombrios, que ganham um ar gélido das janelas abertas. Rapidamente mais freiras chegam para ajudar a me levar para o porão, com o objetivo de me presentearem com mais algumas cicatrizes... Tanto na minha carne, quanto na minha alma.

A filha da SombraOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz